A concorrência no gás natural (por Míriam Leitão) – Heron Cid
Bastidores

A concorrência no gás natural (por Míriam Leitão)

9 de julho de 2019 às 11h00 Por Heron Cid

A Petrobras e o Cade deram ontem um passo histórico para viabilizar mais competição no mercado de gás natural e, consequentemente, queda dos preços dessa fonte energética. A empresa se comprometeu a vender sua participação em gasodutos, distribuidoras, arrendar terminais e dar acesso a outras empresas aos dutos de escoamento e unidades de processamento. Capitalismo sem competição o Brasil sabe fazer, com seus monopólios, oligopólios e cartéis. O desafio é permitir que a competição aconteça.

O Cade, órgão de defesa da concorrência, acusava a empresa de práticas anticoncorrenciais. Mas isso todos já sabiam. A novidade é que pela primeira vez o órgão atuou de forma mais dura contra a Petrobras, e pela primeira vez a estatal se dispôs a fazer um acordo para diminuir a sua participação no setor. A assinatura de um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) fará com que a empresa tenha data para vender ativos, sob o risco de pagamento de multas em caso de descumprimento do que foi acordado.

Se tudo der certo, ela deixará de ser monopolista de fato. Pela lei, o monopólio da Petrobras em todos os mercados de óleo e gás acabou em 1995. A mudança permitirá que outras companhias aumentem a sua participação no setor. Só que será lento. O mercado acredita que levará algum tempo para que isso seja realidade.

— Tudo terá que ser feito sem pressa porque a Petrobras é uma empresa de capital aberto e não pode haver o risco de quebra de contrato. Mas o TCC tem prazo para o cumprimento de metas, penalidades, e tudo será fiscalizado. Foi uma forma de se quebrar de fato o monopólio da Petrobras sem ter que passar pelo Congresso e diminuindo o risco jurídico — afirmou o consultor Adriano Pires, do CBIE.

O Termo assinado ontem tem basicamente três frentes. Na primeira, a Petrobras terá que vender ativos, como a participação em gasodutos — inclusive no gasoduto Brasil-Bolívia — e nas distribuidoras de gás. Para se ter uma ideia, ela é sócia em 20 das 27 distribuidoras estaduais de gás. A venda dos ativos vai reforçar o caixa da companhia, que ainda luta para reduzir o seu endividamento.

Na segunda frente da decisão de ontem, a regulatória, ela será obrigada a dar mais espaço para outras empresas nos dutos que transportam o gás do pré-sal até a costa brasileira. E por fim, terá que arrendar um terminal de regaseificação na Bahia, abrindo a concorrência para o gás liquefeito que é importado pelo Brasil.

Entre os grandes consumidores, a visão também é positiva. Para o diretor-superintendente da Abividro, Lucien Belmonte, o Cade poderia ter sido até mais duro com a Petrobras, suspendendo contratos que são considerados abusivos, mas ele admite que ainda assim a mudança vai na direção correta.

— O papel da Petrobras está mudando. Ao mudar, deixa de ocupar espaço que agora poderá ser de outras empresas. Mas não será de um dia para o outro que haverá um choque de gás barato no país. Para a indústria, o ideal é que houvesse resultados mais rápidos — afirmou.

O governo espera, e o mercado acha possível que a produção de gás no Brasil dobre nos próximos quatro anos com o crescimento da exploração do petróleo. O gás vem associado ao petróleo. Cerca de 25% do gás extraído do pré-sal já é produzido por outras empresas, e não pela Petrobras, mas elas esbarram no monopólio da companhia brasileira na distribuição e no transporte do produto. Com isso, por mais que haja concorrência no começo, os preços não caem ao consumidor final.

O governo também tem feito mudanças em resoluções da ANP. Na última sexta-feira, a Petrobras já foi obrigada a quebrar o sigilo dos contratos de todos os gasodutos em que ela é a única transportadora. Isso foi necessário, por um dos detalhes desse mercado.

— Algo curioso é que ninguém sabe quanto a Petrobras cobra para transportar gás nos dutos. Ninguém revela, mas estima-se que seja fora dos padrões, muito caro — explica um especialista do mercado.

Há muitas distorções no gás natural provocadas pela falta de concorrência e uma regulação falha. O passo dado ontem é importante e vai na direção certa, só não é uma solução milagrosa e imediata. Ninguém no mercado acredita em queda brusca nos preços do gás. O tal choque de energia barata é mais um produto do marketing governamental.

O Globo

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