Trouxe o livro de Steven Pinker para a estrada. Na forma papel, só é possível quando me desloco de automóvel. Tem quase 700 páginas, o que pesa muito para quem vai trabalhar com as mãos, ainda que levemente, todo o dia. “O novo iluminismo” é uma defesa da razão, ciência e progresso. Há um imenso campo de discussão sobre essas três palavras.
Recolhi até agora algo que me estimulou a pensar sobre o momento. Pinker aponta a religião como uma adversária do iluminismo. De fato, há dois momentos perigosos em atitudes religiosas. Um deles é colocar suas regras morais acima da felicidade das pessoas. Daí a dificuldade de aceitar o homossexualismo e as diversas identidades sexuais. O “New York Times” perguntou como as pessoas se definiam. As respostas foram múltiplas e variadas.
Outro momento delicado é o questionamento da ciência a partir de uma visão da fé. Pinker cita o caso do júri de um professor americano que ensinava Darwin, que ficou conhecido como o julgamento do macaco. É histórico. Eu mesmo citei o filme sobre aquele júri, “O vento será tua herança”, quando a ministra Damares questionou o espaço que se dava a Darwin.
Pinker considera também na base do contrailuminismo o que chama de uma tendência tribal que se expressa também no nacionalismo, na hostilidade às iniciativas globais. Referia-se mais aos Estados Unidos após a vitória de Trump. Mas esse traço é diferente no Brasil. Apesar da ideologia antiglobalista, o governo não só assinou como comemorou o acordo com a Comunidade Europeia. Na verdade, um passo na integração internacional.
E o avanço de um movimento muito amplo, apesar da resistência de Trump. É a marcha do capitalismo com todas as suas consequências, nem sempre positivas, sobretudo para os que vão sendo deixados para trás.
Bolsonaro precisou aceitar o discurso que muitos dos seus seguidores questionam. Isso me faz pensar em algo: como esquerda e direita são parecidas diante do capitalismo. O discurso é crítico, mas nas grandes decisões têm de seguir a corrente. É como se o capitalismo global avançasse sem travas, deixando a possibilidade de mudanças sempre para o futuro. Não há volta atrás.
Bolsonaro mantém seu discurso hostil à preocupação ambiental dos europeus. Minha suposição é que, diante desse tema também decisivo em termos globais, ele até possa seguir falando as mesmas coisas. Mas será julgado pela sua adesão prática ao Acordo de Paris.
Tem a solidariedade de Trump. Mas ambos me lembram um pouco a piada do papagaio que foi jogado para fora de um avião, junto com um passageiro que reclamava do serviço de forma inconveniente. Em plena queda entre as nuvens, o papagaio disse para o passageiro ejetado com ele:
— Até que, para quem não tem asas, você é bastante folgado.
A situação do Brasil é muito diferente da americana. Bolsonaro é muito arrojado ao afirmar que sobrevoou a Europa duas vezes e não viu florestas. Florestas existem, algumas até encantadas, como a Hallerbos, na Bélgica; a Negra, na Alemanha; a de Epping, na Inglaterra.
O problema é que a Europa, depois de 17 anos de monitoramento, constatou, ao examinar 130 mil amostras, que em suas florestas há decadência crescente das árvores. Sem contar que o alto nível de consumo de seus habitantes contribui também para a redução de muitas florestas pelo mundo.
A Europa reconhece o problema de suas florestas. No próprio relatório, a Comunidade fala de suas medidas sobre a poluição, uma das causas dessa decadência. Se a intenção for criticar a Europa, nada melhor do que se basear na sua própria autocrítica.
Esse acordo com os europeus, ao lado da reforma da Previdência, pode ser um estímulo para novos investimentos. Uma tênue promessa para o futuro. Não creio que vamos alcançá-lo dando cotoveladas.
O Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) afirmou que houve um aumento de 88% em áreas desmatadas na Amazônia. É um dado que compara junho de 2018 com junho de 2019.
Os métodos do Inpe são transparentes. O governo disse que neles há ideologia, manipulação.
Aqui sim é preciso falar de ciência. Por enquanto, o governo contesta os fatos apenas com sua fé. Luz e contraluz.
O Globo