No princípio foi o verbo reconhecer, precedido pelo advérbio não. Disse Sérgio Moro: não reconheço como minhas as mensagens trocadas com procuradores da Lava Jato e publicadas pelo site The Intercept. Poderia tê-las apontado como falsas, mas não o fez.
Depois, sem desprezar o verbo e o advérbio, passou a acrescentar que as mensagens poderiam ter sido adulteradas no todo ou em parte. A fase seguinte foi a de apontar que nada havia de ilegal nas mensagens que lhe atribuíam, embora ele não as reconhecesse.
E, finalmente, Moro derrapou pela primeira vez. Foi quando gravou um vídeo para desculpar-se com integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) chamados por ele de “tontos” em uma de suas conversas com o procurador Deltan Dellagnol.
Ora, ora, ora. Desculpar-se pelo que não disse, pelo que possa ter sido adulterado, pelo que insistia em não reconhecer? Ou Moro, afinal, começara a reconhecer a autenticidade das mensagens? Ou pelo menos de algumas delas?
No longo depoimento de mais de sete horas que prestou, ontem, na Câmara dos Deputados, Moro acabou por abrir mais brechas no seu discurso de defesa. Referindo-se ao conjunto das mensagens, comentou a certa altura:
– São coisas absolutamente triviais dentro do cenário jurídico.
Mais adiante, novamente a respeito das mensagens, observou: “Podem ter elementos verdadeiros ali e elementos adulterados.” E em relação especificamente a uma mensagem enviada a Dallagnol às vésperas de interrogar Lula, cometeu seu erro mais grave.
A mensagem:
Moro – 12:32:39. – Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem.
Dallagnol – 12:42:34. – Ok, manterei sim, obrigado!
Tessler foi trocada por dois outros procuradores que representaram o Ministério Público na audiência com Lula. O fato levou Moro, ontem, a negar que tivesse pedido a substituição de Tessler, e a dizer que sugerira apenas que ela fosse mais bem treinada.
Isso significa que Moro reconheceu como sua mais uma das mensagens reveladas pelo The Intercept. Ao fazê-lo, dá razão à crítica de que de fato orientou uma das partes no processo que condenou Lula a 12 anos e 1 mês de prisão.
Juiz não pode orientar nem a acusação nem a defesa em processo algum. Dele cobra-se neutralidade absoluta. A lei prevê punições para um juiz que não se comporte assim. É por isso que Moro está sentado na cadeira de réu do grande tribunal da opinião pública.
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