Sua majestade, o presidente (por Marcus André Melo) – Heron Cid
Bastidores

Sua majestade, o presidente (por Marcus André Melo)

1 de julho de 2019 às 13h00 Por Heron Cid
O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em maio deste ano - Evaristo Sa - 7.mai.19/AFP

Para Ernest Hambloch, o nosso problema fundamental era o presidente não ser uma rainha da Inglaterra, mas um czar tropical.

Em “His Majesty, the President of Brazil” (1936), ele fustiga o presidencialismo imperial vigente, contrastando-o com a Inglaterra, no qual “o Parlamento ainda tem a mão do chicote e pode usá-lo quando lhe convier. Nas repúblicas americanas, ele está na mão do presidente”.

Hambloch reduz presidencialismo a autoritarismo, mas sua análise é instigante. Parlamentarismo presidencialismo são formas distintas de se organizar a relação entre Poderes. Não há consenso técnico sobre a superioridade de um em relação ao outro.

Uma variável crucial é o sistema eleitoral, pois sob o multipartidarismo há o imperativo de formação de coalizões, o que reduz a preponderância do Executivo.

Ele foi o remédio utilizado entre nós para fortalecer o Legislativo e eliminar o poder acachapante do governismo. A reforma eleitoral de 1932 introduziu a representação proporcional, os partidos nacionais e o voto secreto. O resultado: “Um sistema talvez único  no mundo: o presidencialismo com representação proporcional”, como concluiu Afonso Arinos em 1949.

O “poder pessoal” do Executivo foi abalado: “Grande tirano aquele cuja estabilidade política só se manterá na base da coligação dos partidos no Congresso, tal e qual nos regimes parlamentares!” (idem).

Mas, sob o presidencialismo, a investidura e a perda do cargo pelo chefe do Executivo independem da confiança do Legislativo. O mandato é fixo, só pode ser abreviado em caso de impeachment. O potencial para crises exige arbitragem de um Judiciário independente.

Conflitos abertos entre presidentes e o Parlamento ocorrem. O caso emblemático —ao qual Joaquim Nabuco dedicou um livro— foi o do presidente chileno Juan Balmaceda (1840-1891), que cometeu suicídio em plena crise deflagrada pela recusa do Congresso em votar o Orçamento enquanto ele não mudasse o ministério.

O modo normal de funcionamento do presidencialismo envolve pesos e contrapesos. As iniciativas do Executivo podem ser rejeitadas no Congresso, e vice-versa, através do veto presidencial (exceto para emendas constitucionais). Em muitos países latino-americanos e nos EUA, é necessário quorum de 66% para a derrubada do veto, o que pode levar a um impasse. Entre nós, ele é facilmente rejeitado por maioria de 50% mais um.

Entretanto, o Congresso não emite medidas provisórias, nomeia ministros, nem executa o Orçamento. O risco de paralisia estará sempre presente, malgrado o saldo atual ser positivo.

O presidente perdeu o chicote, mas não se converteu em rainha da Inglaterra.

Folha

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