São Paulo é uma das maiores cidades do mundo e a maior metrópole brasileira, originalmente uma localidade designada Piratininga pelos índios, primeiros habitantes do Brasil. Era uma pequena vila até o Século XIX. Imigrantes e migrantes mudaram a cidade para sempre. Piratininga tem o significado de peixes secando ou peixes ao sol, cena frequente depois que recuavam as águas nas enchentes do rio Tietê.
Salvador chamou-se originalmente São Salvador da Bahia de Todos os Santos; o Rio foi São Sebastião do Rio de Janeiro. E Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba tornou-se Curitiba apenas.
Durante os primeiros séculos já despontavam outras cidades da importância das citadas, com a óbvia exceção de Curitiba, posta em relevo quando se abrem os caminhos para o Brasil meridional alguns séculos depois do Descobrimento.
Atualmente, Fortaleza, Belo Horizonte, Manaus, Recife e Porto Alegre completam a lista das dez maiores metrópoles brasileiras.
Por que de repente o Brasil ficou mais difícil de compreender? Porque mais de 200 milhões de habitantes vivem hoje em muitas outras cidades e as coisas decisivas não acontecem mais onde sempre aconteciam. Rio e São Paulo ainda são as maiores caixas de ressonância do País? Certamente, mas desde há algum tempo o grupo por elas liderado, como Recife e Porto Alegre, têm outros integrantes.
Dentre esses novos afluentes às cidades liderantes, Curitiba é “a pequena notável”, a Carmen Miranda destas metrópoles, a cantora brasileira mais famosa até hoje, entretanto nascida em Portugal, que estrearia com esta marchinha tão simples: “Taí, eu fiz tudo p’rá você gostar de mim/ Oh! meu bem, não faz assim comigo não!/ Você tem, você tem que me dar seu coração”.
Ligar Curitiba a Carmen Miranda nesta inusitada metáfora é um mododesarrumado de ver o Brasil a partir de outro viés, subindo para outro mirante. Mas permite ver sob novo prisma sérias mudanças, muitas das quais ainda em curso e decisivas para o futuro imediato de nosso País, precisamos ir a Curitiba e pesquisar os efeitos devastadores da Operação Lava a Jato, que fez novo perfil para entendermos a nação brasileira. Nele a pátria aparece roubada por uma diabólica aliança entre criminosos da política e da economia.
Carmen Miranda prosseguia com estes versos a canção que a revelaria ao Brasil e ao mundo: “Essa história de gostar de alguém/ já é mania que as pessoas têm/ Se me ajudasse Nosso Senhor/ eu não pensaria mais no amor”.
Tal como aconteceu com a irrupção de Carmen Miranda no cenário brasileiro e internacional, a pequena que se fez notável agora é outra. Veio do Judiciário.
E vem alcançando trunfos espetaculares. O maior deles foi o seguinte. No dia 7 de abril do ano passado, por sentenças judiciais exaradas em Curitiba e em Porto Alegre, Luiz Inácio Lula da Silva, um migrante de Pernambuco, que viera para São Paulo em busca de sobrevivência, mas que fizera carreira política no sindicalismo e tinha sido presidente da República, eleito e reeleito, foi preso em São Bernardo do Campo, na grande São Paulo, e levado a Curitiba, onde está preso até o dia em que escrevo esta coluna.
Aplicava-se a ele a curiosa expressão popular bagre ensaboado, isto é, de difícil captura, uma vez que o sabão o deixa liso e ele escapa das mãos dos pescadores. É também comum designar peixe graúdo a grande personagem em qualquer campo.
Mas não é apenas o “bagre ensaboado” que está lá. Nas redes de Curitiba caíram outros peixes graúdos. Por lá já passaram longas temporadas ou ainda estão por lá o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que é do Rio; o ex-ministro e referência solar do Partido dos Trabalhadores, José Dirceu, de Santa Rita do Passa Quatro (a cidade se chama assim porque um riacho passava quatro vezes pela povoação), o empresário Marcelo Odebrecht, o maior do Brasil, que é de São Paulo, e o ex-ministro Antonio Palocci, que é de Ribeirão Preto.
São longos os braços que Curitiba estendeu sobre o Brasil. E nas últimas semanas, o ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, e o procurador Deltan Dall’Agnoll, figuras-símbolos da Operação Lava a Jato, continuavam liderando as notícias que levaram o País inteiro a um grande clássico, não mais do futebol, como se um jogo do Flamengo e do Corinthians decidisse o maior campeonato brasileiro, mas se o Brasil vai ou não mudar seus modos de gerir a res publica, a coisa pública, a República Federativa do Brasil.
*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
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