Nenhum problema. O país seguiria seu curso, curvando-se à história e moldando seu caráter de acordo com ela. Se Lula fosse solto pelas razões que se conhece, o Supremo Tribunal Federal teria entendido que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial no julgamento do ex-presidente. Dessa maneira, também haveria considerado impróprias as decisões posteriores do TRF4, do Superior Tribunal de Justiça e do próprio STF. Mas isso não viria mais ao caso. Seria passado. O futuro é o que interessa. E ele seria descortinado então com Lula fora da cadeia.
Com a efetivação da decisão do STF, o país veria uma festa de bandeiras vermelhas e de multidões empolgadas nas ruas. Uma caravana seguiria o líder petista em seu comboio do Aeroporto de Congonhas até São Bernardo do Campo. O palanque de boas-vindas seria montado no mesmo sindicato dos metalúrgicos de onde Lula saiu para a prisão, 14 meses atrás. Todos diriam felizes que a justiça fora feita. Muitos, lá no íntimo, em desassossego, pensariam de modo distinto, mas a festa seria política. Oras. Lula estaria de novo nos braços daqueles que não tinham mais a quem abraçar.
Imediatamente seria produzida uma nova dinâmica na vida política nacional. O PT teria Lula nas ruas, e Bolsonaro não estaria mais sozinho. Hoje, sua maior sombra é a fornecida pela figura do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. Rodrigo cresceu desde o seu primeiro mandato na chefia do Legislativo, ganhou estatura e consistência. Mesmo assim, nos primeiros dias seria engolido pela força de Lula. Mas a euforia em torno do ex-presidente seria efêmera. Dez dias, duas semanas depois, a vida seguiria a fluir por sua própria conta.
Sem mandato, aguardando outra sentença contra ele transitar na segunda instância, e com mais sete processos correndo no seu encalço, Lula teria que enfrentar más notícias. De cara teria de explicar o “socorro” de US$ 4,9 bilhões a Cuba, revelado na terça passada pelo colunista José Casado. Uma agenda positiva certamente seria construída em torno do velho líder. Algumas emplacariam. Mas em pouco tempo apenas a mídia companheira estaria acompanhando cada passo de Lula. Seria parecido com o governo paralelo que o PT montou para fiscalizar Fernando Collor em 1990. Teve alguns dias de holofote e depois sumiu na escuridão do cotidiano.
Uma boa ideia seria levada em conta. Lula poderia embarcar em uma nova Caravana da Cidadania. Seria um barato. Entre abril e maio de 1993, a caravana original percorreu 359 cidades, levantando palanques para Lula em sete estados. Ele era o candidato do PT a presidente no ano seguinte. E tem outra coisa, a caravana poderia se tornar também um tour romântico. Segundo o colunista Guilherme Amado, foi naquela viagem que Lula conheceu Janja, a atual namorada Rosângela da Silva.
A questão, contudo, seria outra. Lula livre não garantiria uma nova divisão de forças no Congresso, não impediria a aprovação de uma reforma da Previdência. Tampouco encurtaria os três anos e meio de mandato que ainda restam a Bolsonaro. Mas faria barulho, com certeza. E esse barulho poderia até ser bom, por servir como contraponto ao extremismo de direita de Bolsonaro. O problema é que ele representaria a outra extremidade. Desde que se viu enredado com a Justiça, Lula vem lamentando não ter tomado medidas mais drásticas no seu governo, como controlar a mídia, por exemplo.
O certo é que, com o ex-presidente solto, o eco do “Lula livre”, a maior ferramenta de aglutinação da esquerda, rapidamente se esvaziaria. E esse é um cálculo político que os mais próximos de Lula se recusam a fazer. Nem Lula quer pensar nisso, obviamente. Mas o fato é que, solto agora, o impacto de Lula sobre a campanha de 2022 será muito menor. Se ficar preso e obtiver a liberdade apenas com a progressão das duas penas a que foi condenado, Lula sai em dois anos, mais ou menos, lá por julho de 2021. Com a construção da imagem do mártir fortificada por mais esse período de reclusão, ele deixaria a cadeia com uma força enorme e seria o grande eleitor da sucessão de Bolsonaro.
Mas acho que ninguém da sua turma haveria de querer isso. Escondido, talvez somente o PT.
O Globo