Todo presidente tem o direito de nomear e demitir pessoas que estão em cargo de confiança, mas os governos se revelam na maneira como executam esses atos de desligamento. A queda de Joaquim Levy em si poderia ter sido simples se fosse feita da forma protocolar, com bons modos e com um nome já escolhido para substituir. Mas vários fatos fazem dela um exemplo do mau comportamento do atual governo: foi por impulso, de forma grosseira e improvisada. O primeiro sinal desse estilo havia sido a demissão de Gustavo Bebianno, que, apesar de ter sido a sombra de Bolsonaro na campanha, foi despachado para atender a um capricho do filho Carlos.
Foram três demissões de general durante a semana passada, e essa decapitação na área econômica durante o fim de semana. A saída de Santos Cruz deixou uma sombra ainda não dissipada sobre o motivo que o levou a demitir o ministro que chegara com planos de quebrar barreiras entre a sociedade e o governo. A demissão de Santos Cruz mostrou que o presidente pode atingir com o seu impulso de cortar cabeças até seus amigos mais próximos.
No caso de Levy, Bolsonaro inventou um motivo. Ele fez várias acusações vagas. Levy teria levado pessoa “suspeita” para a diretoria, não abrira a caixa preta e, por fim, disse que estava “por aqui” com ele. Não havia qualquer emergência que provocasse tal reação do presidente. Ninguém sabia explicar o que levou o presidente a fazer o que fez naquele momento. Chama-se “quebra-queixo” as abordagens em bloco de jornalistas com seus microfones em cima das autoridades. Nessas ocasiões alguns falam coisas impensadas, e depois culpam a pressão inesperada. No caso, o presidente buscou o quebra-queixo para avisar que poderia demitir Levy até sem passar pelo ministro da Economia.
O Ministério da Economia teve que apagar o incêndio e avisar que Paulo Guedes não foi atropelado, e que, ao contrário, Levy só durou tanto porque Bolsonaro teve consideração com o ministro a quem vinha pedindo a cabeça do então presidente do BNDES há meses. Seja como for, teria sido muito mais simples esperar segunda-feira e avisar Guedes que a paciência chegara ao fim e deixar que o ministro desligasse quem ele convidou.
Há outro fato que revela o processo decisório no governo Bolsonaro. No café da manhã com jornalistas na sexta-feira passada, o presidente falou sobre a influência do seu filho Carlos. “Eu converso com ele, mas não sigo 100% do que ele fala”. Qualquer número acima de zero já seria uma anomalia. Bolsonaro revela assim que implantou no país a figura do co-presidente, e quem tem todo esse poder é um vereador do Rio. Nesse mesmo dia, disse que Carlos é o filho que ele mais ouve. Define o seu segundo como “imediatista”, ou seja, quer logo na bandeja as cabeças que pede ao pai. Mas ele, Bolsonaro, seria diferente. A manhã do sábado em que o presidente por impulso dá o últimato a Levy mostra que tal pai, tal filho. A questão é que o país não elegeu uma família presidente do Brasil, mas apenas o pai dos filhos.
A demissão do general Franklimberg da Funai mostrou os poderes que ele dá a determinados aliados, no caso, Nabhan Garcia. O secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura gosta de se apresentar como o vice-ministro, cargo inexistente, e recentemente pediu ao governo o direito de usar uma placa verde e amarela como os ministros. O que ele recebeu esta semana foi muito maior que isso. O presidente não aceitou a mudança que o Congresso fez na Medida Provisória da reforma administrativa, e editou na quarta-feira outra MP restabelecendo à secretaria de Nabhan o que ele realmente quer: o direito de demarcar terras indígenas.
Quem aceita trabalhar com Bolsonaro sabe, a essa altura, que tudo pode acontecer. Pode ser demitido por ordem de um vereador do Rio ou passar por humilhação pública por um impulso do presidente. Pode ter suas ordens desautorizadas, seja a nomeação para um conselho, o estilo de uma campanha publicitária ou o preço do diesel.
Bolsonaro também avisou que deixa “a pessoa se enrolar” um pouco antes de demitir. Nem isso é verdade. O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, pode se enrolar o que for em suas laranjas que permanece. O que as demissões de auxiliares do governo Bolsonaro mostram, na verdade, é que não há qualquer critério. É um governo intempestivo.
O Globo