BNDES mudou em tempos recentes (por Míriam Leitão) – Heron Cid
Bastidores

BNDES mudou em tempos recentes (por Míriam Leitão)

19 de junho de 2019 às 15h00 Por Heron Cid

Na segunda metade dos anos 1980, a ditadura havia acabado, o país perdia a década, mas o BNDES não alterara a política de dar empréstimos seriais para empresas paulistas, como Villares, Bardella. O economista Paulo Guedes colocou no banco o divertido apelido de “recreio dos bandeirantes”. A política de favorecer algumas empresas foi repetida nos governos Lula e Dilma, favorecendo Odebrecht e JBS, entre outras. Quem tentasse saber detalhes das operações ouvia que era “sigilo bancário”. Era o auge da caixa-preta. Ela começou a ser aberta, já no governo do PT, por imposição dos órgãos de controle, como TCU e MP. Para seguir a ordem de abrir a caixa-preta, o banco terá que anunciar o que já se sabe.

O BNDES que o jovem Gustavo Montezano vai assumir tem muita história e ela não é simples. O banco já cometeu diversos erros, mas é impossível imaginar o que seria da economia do Brasil sem ele. Os bancos brasileiros não gostam de financiar projetos de longo prazo. Acham arriscado. E, se puderem, se associam a um banco público. Esta aí o BTG, no qual Montezano trabalhou, que não nos deixa mentir. Virou sócio da Caixa no banco que resultou da desastrada compra do Panamericano. Outro que pode contar isso é o Votorantim, que acabou sócio do Banco do Brasil.

Montezano verá que, no Brasil, esquerda e direita podem cometer os mesmos erros. A política dos campeões nacionais foi inventada pela direita militar e repetida pela esquerda petista. Se quiser transformá-lo no banco da privatização, não será novidade. Isso já houve na gestão do brilhante economista Eduardo Modiano, no governo Collor de Mello, e continuou nos governos social-democratas dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. O banco assume vários papéis, decididos pelo governo da ocasião.

Dos funcionários que encontrará, a maioria é jovem como ele. Quando assumiu a presidência, o economista Luciano Coutinho promoveu um grande PDV, pelo qual saíram do banco 800 funcionários. Mas ele contratou muito mais. A maioria entrou num banco que achava normal o que estava acontecendo. O Tesouro se endividou em R$ 500 bilhões para transferir para o BNDES e com isso financiar as empresas que liderariam o capitalismo brasileiro ou alguns grandes projetos que o governo queria fazer, custasse o que custasse aos contribuintes, como a Refinaria Abreu e Lima e a hidrelétrica de Belo Monte. Na indústria de proteína animal, o banco comprou debêntures emitidas pela JBS para que o grupo se expandisse internacionalmente. A operação Bullish investigou esses empréstimos e denunciou funcionários, Coutinho e o ex-ministro Guido Mantega. O juiz já excluiu os funcionários do processo.

Não há grandes descobertas a serem feitas nessa abertura dos dados que o presidente tanto quer. Já na época de Coutinho, depois de atritos com órgãos de controle, as informações começaram a ser divulgadas. Administrações como as de Maria Silvia e de Joaquim Levy também aumentaram a transparência. Na de Paulo Rabello de Castro foi feito o infeliz “Livro Verde”, que tentou abonar todos os erros do passado, como se fosse aceitável emprestar a juros fixos numa inflação galopante como foi feito no governo militar, ou dar crédito por razões ideológicas, como os que foram concedidos à Venezuela pelo PT. Mas Rabello de Castro estava fazendo política, era pré-candidato a presidente da República.

O BNDES já devolveu R$ 300 bilhões ao Tesouro nos últimos anos. Começou quando Joaquim Levy era ministro, ainda na presidência de Dilma Rousseff, e continuou na de Michel Temer. Portanto, se Montezano for despedalar, e quiser fazer disso um ato político, ficará estranho. O banco já despedala desde 2015.

No BNDES de hoje muita gente tem medo de tomar decisões que sejam questionadas depois. Esse temor aumentou depois da operação Bullish. Por isso a venda de ativos tem seguido o que diz o TCU e o MP. Para fazer mais rápido, é preciso que seja com os cuidados da boa governança. Não se inaugura um banco de 67 anos. É melhor entender o que já houve nesse longo passado. Na história recente, a caixa-preta vem sendo aberta e os empréstimos, devolvidos ao Tesouro. Importante continuar nessa trilha, mas não será inédito.

O Globo

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