Uma ameaça à democracia (por Merval Pereira) – Heron Cid
Bastidores

Uma ameaça à democracia (por Merval Pereira)

18 de junho de 2019 às 10h00 Por Heron Cid

Não há projeto político maduro de governo, mas uma incontinência verbal de Bolsonaro que, não raras vezes, é incongruente. Como zagueiro que dá caneladas, na metáfora futebolística a seu gosto, às vezes Bolsonaro se arrepende, mas não perde a viagem. Fala o que lhe passa na cabeça, sem filtros, e, pior, escreve no twitter o que pensa, ampliando um ambiente de insegurança política.

A gravidade de suas palavras, como a de todo presidente da República, parece ser desconhecida por ele. Ou, como já disse o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), faz tudo de modo pensado, como uma estratégia política. Nesse caso, seria mais grave do que simplesmente dizer besteiras.

Besteiras, a ex-presidente Dilma Rousseff também dizia. O perigo é executar as besteiras, como ela fez e perdeu o cargo. De tantas besteiras, a mais grave foi  dita no sábado à noite em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul.

Durante evento em memória ao marechal Emilio Mallet, o patrono da Artilharia, Bolsonaro voltou a defender a ditadura militar, mas, desta vez, foi mais longe, e ligou a atuação dos militares na ocasião ao armamento dos cidadãos que propõe hoje.

Para defender a ampliação das licenças para porte de arma, que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) vetou, Bolsonaro disse: “(…) Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta”.

São frases claramente ameaçadoras da democracia e, ditas pelo presidente da República, mais graves do que, por exemplo, a do presidente da CUT falar em “pegar em armas” para defender Dilma dentro do Palácio do Planalto.

Embora a então presidente não tenha desautorizado o líder sindical, as palavras não saíram de sua boca. Mais grave até que a frase de Lula, que falou na sede da Associação Brasileira de Imprensa em 2017: “Também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas”.

Lula já era ex-presidente, embora seu partido estivesse no poder e ele fosse, inegavelmente, seu líder maior.

Além da gravidade em si, a fala de Bolsonaro é incongruente, pois ele defende o governo militar fruto de um golpe para dizer que quer armar o povo para impedir golpes.

Quem quer impedir pelas armas que um governante qualquer tenha a tentação de dar um golpe, pode também ceder à tentação de dar um autogolpe, em nome da maioria armada da população.

É conclamar a uma guerra civil, pois nem todos os cidadãos armados serão a favor de um governo Bolsonaro sem as peias institucionais que tanto o desagradam. A ponto de ele, nesse mesmo discurso, falar que precisa mais do povo a seu lado do que do Parlamento.

A disputa constante entre Parlamento e governo, aliás, vai continuar – eles estão em confronto, e nenhuma das partes dá sinais de querer trégua.

O ministro Paulo Guedes criticou muito o Congresso que, por sua vez, assume cada vez mais o protagonismo político, tentando limitar os poderes do Executivo.

Bolsonaro insiste em desmoralizar o Congresso, e o ministro da Economia afirma que deputados sucumbiram ao lobby dos servidores públicos. Mas Rodrigo Maia está conseguindo convencer os deputados que aprovar a reforma da Previdência é bom para a imagem da Câmara, e para tirar de Bolsonaro e Guedes a primazia dela.

O Globo

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