No coração do poder (por Augusto Nunes) – Heron Cid
Bastidores

No coração do poder (por Augusto Nunes)

16 de junho de 2019 às 17h00 Por Heron Cid
Presidente Jair Bolsonaro, aparece ao lado de sua esposa Michelle Bolsonaro, depois de receber a faixa presidencial de Michel Temer, no Palácio do Planalto, em Brasília - 01/01/2018 (Evaristo Sá/AFP)
Nenhuma alteração no projeto da Nova Previdência foi acolhida por Jair Bolsonaro com tanto entusiasmo quanto a supressão do tópico segundo o qual deficientes físicos e intelectuais deixariam de receber o benefício da pensão integral depois da morte dos pais. Muito mais que a sensatez da mudança pesou a identidade da autora: “Pedidos da primeira-­dama são irrecusáveis e inadiáveis”, decretou o marido de Michelle. A voluntariosa mulher do presidente da República mostrou que não seria uma figura decorativa já no dia da posse, quando esbanjou fluência na Língua Brasileira de Sinais (Libras) ao discursar — antes do primeiro pronunciamento do novo chefe de governo — no parlatório do Palácio do Planalto. A reivindicação encampada por Bolsonaro incluiu-a no diminuto grupo das primeiras-damas que ultrapassaram (com sucesso) o campo de ação demarcado por uma das poucas frases declamadas em público pela paulista Eloá do Valle Quadros: “Política é coisa para os homens”, conformou-se a mulher de Jânio Quadros. A maioria das quinze antecessoras da brasiliense Michelle nunca foi além de tais fronteiras. Todas permaneceram expostas a tempestades republicanas que não provocaram. E algumas descobriram tarde demais que, no Brasil, o casamento com um futuro presidente raramente chega a um final feliz.

As trajetórias desenhadas pelas gaúchas Darcy Sarmanho Vargas e Maria Thereza Fontella Goulart informam que a distância entre o sonho e o pesadelo pode ser medida em mais de duas décadas ou menos de dez anos. A mulher de Getúlio Vargas teve tempo para consolidar o modelo oficial: primeira-dama se ocupa de programas sociais. Entre 1930 e 1945, e depois entre 1951 e 1954, Darcy foi incumbida pelo marido de dividir-se entre a administração dos assuntos domésticos e a gestão de entidades como a Legião Brasileira de Assistência ou a Casa do Pequeno Jornaleiro (casada com Michel Temer, a penúltima integrante da linhagem trabalhou bem menos que a fundadora: liberada de preocupações com pequenos jornaleiros, a bonita paulista Marcela pôde dedicar-­se exclusivamente ao pequeno Michelzinho). As atividades cotidianas fizeram de Darcy uma testemunha privilegiada e vítima sem culpa de um dos períodos mais tempestuosos da história, que incluíram a deposição do ditador que chefiou o Estado Novo e o suicídio do presidente democraticamente eleito.

A Mulher Vestida de Silêncio (Editora Record), livro do jornalista Wagner William que acaba de resgatar a saga da viúva de João Goulart, prova que o percurso entre o céu e o inferno, cronometrado pelo relógio da História, às vezes dura um punhado de segundos. Maria Thereza foi a mais jovem, linda e injustiçada das primeiras-damas do Brasil. Tinha 15 anos quando virou namorada do conterrâneo de São Borja que, a caminho dos 40, já fora ministro do Trabalho do governo Vargas e era forte candidato a herdeiro político do líder morto. Ainda era adolescente quando se casou com o vice-presidente da República e acabara de passar dos 20 quando a renúncia de Jânio Quadros a transformou em primeira-dama. O rosto anguloso e tristonho de miss no último desfile viralizou na capa de revistas, promoveu-a a rival de Jacqueline Kennedy e fez suspirar dignitários estrangeiros (o ditador iugoslavo Josip Broz Tito derramou-se em palavrórios tão calorosos que o constrangido tradutor foi obrigado a suprimi-los na versão em português). Tanta beleza, acentuada pelos vestidos do costureiro Dener Pamplona de Abreu, favoreceu o bombardeio de rumores sobre casos de adultério que só aconteceram no imaginário da CIA. Maria Thereza nem chegara aos 30 quando partiu para o exílio com o marido deposto.

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