Visão militar num dia de queda (por Míriam Leitão) – Heron Cid
Bastidores

Visão militar num dia de queda (por Míriam Leitão)

14 de junho de 2019 às 15h00 Por Heron Cid
O presidente na comemoração da Batalha Naval do Riachuelo | Jorge William

Os militares que estão no governo Bolsonaro não querem ser vistos como um grupo ou uma ala. Por isso tiveram o cuidado de jamais fazer uma reunião conjunta, me contou um deles. Mesmo assim são vistos como grupo, e criticados em bloco. Ontem caiu o general Santos Cruz que sempre foi alvo dos filhos do presidente e de Olavo de Carvalho. E cair por isso é até comenda. O general Luiz Eduardo Ramos, que vai assumir, tem experiência no relacionamento com políticos porque foi assessor parlamentar do Exército, e tem habilidade para ouvir os diversos segmentos da sociedade. Se avançar com essas qualidades pode dar certo ou também ser vítima do mesmo grupo do barulho no governo Bolsonaro.

O maior temor que os militares que estão no governo têm é o de que venham a perder a credibilidade que conquistaram em trinta anos de silêncio e disciplina, após o fim da ditadura. Na visão que ouvi de um deles esta semana, o que estão vivendo agora não tinha acontecido antes.

— Em nenhum governo, desde a redemocratização, tivemos o protagonismo que temos neste. Isso pode ser um ônus se o governo der errado.

Na avaliação que eu ouvi, o presidente Bolsonaro não está errado em criar outras agendas, mesmo que algumas provoquem polêmica, como a liberação de armas ou a mudança no código de trânsito. Porque se ficasse apenas na reforma da Previdência poderia dar a impressão de uma administração paralisada.

No geral, acham que o governo em alguns setores está indo na direção certa, mas que a comunicação e a articulação com o Congresso são áreas de crise crônica. E que os ministros que acertam não conseguem mostrar seu trabalho, pelo destaque que têm os que erram. Entre os mais criticados está o ministro da Educação.

A queda de Santos Cruz acontece num dia que já não estava bem para o presidente Jair Bolsonaro. Seu decreto que desfez os conselhos foi derrotado no Supremo Tribunal Federal. O ministro da Justiça Sergio Moro continua imerso na crise das informações reveladas pelo site “The Intercept”. Mas houve uma notícia positiva. Afinal, o relatório do deputado Samuel Moreira foi lido dentro do prazo na comissão especial e manteve intactos vários pontos da reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro, como a idade mínima, que é uma luta de décadas no Brasil.

Para o ministro Paulo Guedes, contudo, a maior importância dessa reforma era a capitalização. Na visão dele, isso justificava o nome “Nova Previdência”, porque iniciaria um círculo virtuoso que levaria a economia a ter mais poupança, mais empregos e mais investimento. Por isso, o relatório teve para o ministro um gosto amargo. Para os parlamentares a rejeição à capitalização foi por um motivo prático. O projeto do governo pedia autorização para criar um novo regime do qual nada se sabia, exceto que ele conteria o sistema “nocional”, que garantiria um valor mínimo a ser pago pelo Tesouro em caso de insuficiência de poupança na conta individual. Parece confuso. E é.

O valor de R$ 913 bilhões apresentado pelo relator dá à equipe a sensação de estar bem perto do R$ 1 trilhão, porém essa conta embute a receita com o aumento da CSLL dos bancos. A economia mesmo é menor.

O relatório costurado com os líderes dos partidos que apoiam a reforma removeu o que era intragável do ponto de vista político, o BPC e a mudança na aposentadoria rural. Além disso ampliou um pouco a faixa que permite receber o abono salarial. Por outro lado, criou privilégios para o grupo mais beneficiado do funcionalismo, que é quem tem o direito de se aposentar pelo valor do último salário e seguir os reajustes da ativa.

De qualquer maneira, o dia, de magras notícias boas, era de dar destaque ao fato de que a reforma da Previdência avançou mais um passo no Congresso. Mesmo assim Bolsonaro conseguiu criar mais uma crise com a demissão do general Santos Cruz. A nomeação do general Ramos não deixa o posto vazio. Mas o motivo da queda mostra mais uma vez a face de um governo tutelado. E essa influência dos filhos de Bolsonaro, e de Olavo de Carvalho, sobre o presidente é considerada pelos militares que estão no governo, como a parte mais incômoda e desconfortável da atual administração à qual se ligaram.

O Globo

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