Até agora, nem o ex-juiz Sérgio Moro e nem o procurador Deltan Dallagnol trataram como mentirosas ou fake news as mensagens entre ambos vazadas e publicadas pelo site The Intercept Brasil. Portanto, o conteúdo, de origem desconhecida e ainda a ser verificada, é verdadeiro. E o que dele se extrai, superficialmente, é grave.
Procurador e juiz da Lava Jato combinaram operações, faziam dobradinha judicial e se aconselhavam mutuamente, quase sempre com Moro dando as cartas e dicas sobre rumos da investigação. Não só isso. As conversas revelam um objetivo que excedia o papel institucional de cada um, como “limpar o Congresso”, por exemplo, entre outras metas com repercussão direta na política e nas eleições.
Ainda que o objetivo seja embalado por um certo romantismo utópico, esse não é o mister de nenhum dos dois. Afinal, um é procurador da República e outro era juiz. Suas respectivas atuações não poderiam se confundir com a de um presidente de partido ou de movimento político.
Procurador e juiz falam nos autos, em documentos e despachos oficiais e registrados. Pelos diálogos privados e até então secretos, houve, no mínimo, uma distorção. O juiz deve, em tese, estar absolutamente distante da investigação e da denúncia. Se ele conduz, indica e participa de estratégias, o que restará na hora de julgar a não ser a condenação na peça que ele próprio ajudou a formatar?
A simbiose entre Polícia (investigação), denunciante (procurador) e julgador (magistrado) não pode ser naturalizada no sistema jurídico. Configurada essa situação, estamos diante de uma anomalia. E não precisa ser jurista ou doutrinador para chegar a esta rasa conclusão.
Quando Ministério Público e Judiciário se confundem, o réu deixa de ser réu e passa à condição de caçado, de alvo, de um prêmio, um troféu. De um lado, a predisposição da condenação e exposição, do outro um sentenciado por antecipação.
Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
As mensagens vazadas não apagam os crimes de Lula e outros mais de cem condenados na Lava Jato. Também não inocentam o PT e mais de uma dezena de outras legendas pelo despudorado escândalo de corrupção que dilapidou finanças públicas. Mas trazem a público a extrapolação dos limites da autoridade judicial.
Em resumo: os bandidos continuam sendo bandidos. Mas os mocinhos já não são tão mocinhos assim…