Na noite em que Jair Bolsonaro comemorou sua vitória, uma repórter do “Clarín” questionou Paulo Guedes sobre a relação do presidente eleito com a Casa Rosada. A resposta veio em tom ríspido: “A Argentina não é uma prioridade. O Mercosul também não é prioridade. Era isso que a senhora queria ouvir?”.
Meses depois, o governo parece mais interessado no vizinho do sul. É o que sugerem as falas constantes de Jair Bolsonaro sobre a eleição argentina. Nos últimos dois dias, ele tratou três vezes do tema. Elogiou o presidente Mauricio Macri, que tentará a reeleição, e atacou sua antecessora Cristina Kirchner, que deseja voltar ao poder.
“Mais importante que fazer um gol, é evitar outro. E esse gol contra viria da Argentina voltando para as mãos da Kirchner”, disse, na terça-feira. Ontem ele chamou Macri de “meu amigo” e insistiu que a vitória de Cristina criaria uma “nova Venezuela no Cone Sul”.
O professor Matias Spektor, da Escola de Relações Internacionais da FGV, diz que as declarações de Bolsonaro são “surpreendentes”. “Não é comum um presidente dar pitacos sobre eleições de outros países”, afirma. Ele não vê bases concretas para a comparação com a Venezuela. “O que ocorreu em Caracas foi a quebra da ordem constitucional. Não há sinais de que a Argentina também esteja na rota de uma ditadura”, avalia.
O país vizinho é o terceira maior parceiro comercial do Brasil. Só aparece atrás de China e EUA. Brasília e Buenos Aires exercem influência sobre toda a América do Sul. “Um bom entendimento é essencial para a democracia e a estabilidade da região”, diz Spektor.
Apesar das acusações de corrupção, Cristina lidera as pesquisas para a eleição de outubro. O aumento da pobreza e os pedidos de socorro ao FMI derrubaram a popularidade do liberal Macri, que apelou ao congelamento de preços para tentar conter a inflação.
Com tantos problemas domésticos, o presidente argentino agora terá que lidar com um presente de grego. “O apoio de Bolsonaro vai gerar constrangimento na campanha, porque a imagem dele na Argentina é muito negativa. Lá não há tolerância para quem defenda a tortura e a ditadura militar”, lembra Spektor.