Do jeito que vai, o presidente Jair Bolsonaro acaba demonstrando e provando que o Brasil é muito mais plural e menos conservador do que fazia supor a eleição de outubro último. Em dezesseis semanas de governo, raras foram as que não registraram algum recuo em declarações feitas ou decisões anunciadas pelo chefe da nação. Não pela boa razão de que ele seja um fiel convertido ao altar da autocrítica, mas porque em 100% das ocasiões atuou movido pela ignorância. Em todas elas desconheceu e/ou menosprezou a realidade.
Não é o primeiro e talvez não seja o último ignorante a ocupar a Presidência. O atual mandatário tampouco pode ser visto como pioneiro no exercício insolente da incultura. O que o diferencia de antecessores e de possíveis sucessores é a tendência a fazer as coisas para só depois ver como é que ficam. Em geral, não ficam.
Não param em pé pelo comezinho fato de que o presidente não sabe como as coisas funcionam e precisa que seja informado para seguir no cargo para o qual foi eleito. Não sabia que os árabes, donos de negócios bilionários com o Brasil, não podiam ser ofendidos impunemente nem que dos chineses dependesse boa parte do equilíbrio de nossa balança comercial.
Pela cabeça do presidente não passava a evidência de que universidades fossem autônomas para decidir sobre a continuidade dos respectivos cursos, tampouco havia no chip dele a existência de uma lei que afasta as empresas estatais da alçada do Planalto.
Jair Bolsonaro, na condição de deputado do baixo clero, não sabia de muita coisa. Normal. Só que Jair Bolsonaro, como presidente da República, precisa saber de tudo. Entre outros motivos para não acabar como seu antípoda que alegadamente não sabia de nada.
Bolsonaro tanto erra, provoca e com isso abre espaço para as questões das quais discorda que vai acabar mostrando e provando pela via do contraponto que o Brasil é um país mais plural, mais adepto à diversidade, mais moderno do que aquele que acredita governar. Por ignorância, arrisca surpreender-se.
O ex-presidente Lula não dá sinal de que esteja desconfortável no quarto com televisão e água quente da Polícia Federal em Curitiba, diferentemente de vários de seus parceiros obrigados a conviver com a cadeia dos comuns.
A fim de, alegadamente, preservar sua “dignidade”, Lula se recusa a pleitear o benefício da progressão de pena que lhe daria o direito de sair para trabalhar e, adiante, cumprir prisão domiciliar com restrições semelhantes às hoje impostas nas dependências da PF.
Em casa, abdicaria da condição de “preso político”, teria de fazer frente às cobranças por reativação do PT e responder às necessidades do partido no exercício de uma oposição fragmentada e desarticulada. De onde está, nada lhe é cobrado.
Publicado em VEJA de 8 de maio de 2019, edição nº 2633