O secretário da Receita, Marcos Cintra, disse em várias ocasiões que o governo iria criar um novo imposto, mas só ontem o presidente Jair Bolsonaro ouviu. Talvez pelo fato de Cintra ter citado o exemplo dos dízimos nas igrejas. O secretário já havia citado a economia informal, e até o escambo, para deixar claro que nada escaparia do novo tributo. Dar detalhes de uma reforma ainda embrionária, que não foi amadurecida internamente, sempre gera ruídos. Quando ela se propõe a mudar a estrutura dos impostos, a confusão é ainda maior.
O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, tem citado essa reforma, adiantando alguns pontos. Numa entrevista que fiz com o secretário da Receita, Marcos Cintra, há menos de duas semanas, perguntei como o imposto conseguiria pegar a economia informal, dado que todos os seus pagamentos são sem registro, e como seria a fiscalização:
— A beleza do imposto sobre pagamentos é que ele não precisa de fiscalização. Toda atividade econômica gera um pagamento pela sua própria natureza. Se isso vai pegar todos as transações vai pegar também a economia informal. Mesmo o que for pago em dinheiro, como um carro, em algum momento vai ser registrado e precisa ter o Darf. Até mesmo negócios no exterior. Tendo registro no Brasil, não terá validade jurídica se não tiver passado pelo sistema financeiro brasileiro.
Em outra entrevista anterior, ao “Estado de S. Paulo”, ele disse que até escambo, negociação sem moeda, seria tributado por esse onipresente imposto. O difícil no caso da reforma que está sendo pensada no Ministério da Economia é entender como vai funcionar. A proposta é acabar com um imposto e substituir por outro. Esse tributo sobre pagamentos, que na entrevista à “Folha de S. Paulo” ele chamou de Contribuição Previdenciária (CP), substituiria tudo o que hoje é recolhido pelas empresas para o INSS. Permaneceria apenas a contribuição do trabalhador. Se algo der errado nesse tributo, aumentará o déficit da Previdência.
O imposto está sendo visto como uma grande CPMF, já que o que se pretende é ampliar ainda mais o conceito daquele tributo. Em vez incidir sobre as movimentações bancárias, seria sobre pagamentos:
— Qualquer débito e crédito bancário vai ter pagamento. Qualquer saque e depósito de numerário no sistema bancário será tributado em dobro. Se eu vou ao caixa do banco, eu saco dinheiro para depois fazer pagamentos, sem recolher esse imposto, porque é em espécie, eu já paguei quando saquei, previamente. É um tributo mais amplo, mais universal. É o único tributo que abrange a totalidade dos agentes econômicos.
Segundo ele, mesmo quando sonega a empresa acabará pagando porque a sonegação não torna desnecessária a retribuição ao serviço prestado. Em algum momento, essa transação será captada pelo sistema de pagamentos.
Haveria, segundo Cintra, nessa reforma que vai aparecendo aos poucos na entrevista, a unificação de alguns tributos federais. Ele fala em PIS/Cofins com IPI, uma parte do IOF e talvez CSLL. Eu cheguei a perguntar ao ministro Paulo Guedes como seria possível unificar impostos de bases tão diferentes. O IOF é sobre operações financeiras, a CSLL é sobre lucro das empresas, o IPI, sobre produção industrial. Ele disse que isso não seria problema. Cintra chegou a falar na entrevista que me concedeu que poderia haver uma “integração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica com o da Pessoa Física”. Segundo ele, isso poderia reduzir a alíquota sobre as empresas, e combateria a pejotização. “Para acabarmos de se travestir uma atividade individual como pessoa jurídica, isso é um desvio que nós vamos corrigir”.
O grande problema é que a reforma está sendo anunciada antes de ser feita e no meio de uma discussão de mudança previdenciária que já é complicação suficiente. A agenda de mudanças estruturais brasileiras tem várias etapas, sem dúvida. Uma delas é simplificar o sistema tributário, que passa também por unificar impostos. Porém, nada é fácil, e antes de entrar em aventuras fiscais é preciso entender como funcionaria. Cintra partiu da ideia do imposto único, que sempre defendeu sem sucesso, para esse tributo sobre pagamentos. A área econômica tem de tomar o cuidado de parar de atropelar a si mesmo no seu projeto de reformas.
O Globo