Houve uma queda de valor de mercado da Petrobras que pode ser revertida rapidamente, e o governo está formatando uma saída para atenuar o que houve. Ontem, o presidente da estatal, ao sair da reunião no Palácio, disse que a empresa é livre para reajustar os preços. O problema de curto prazo pode ser resolvido. Mas a intervenção nos preços da companhia, na sexta-feira, confirmou a desconfiança que os mais seniores no mercado financeiro e os investidores da economia real têm neste momento. Há temores e dúvidas sobre a capacidade de a atual administração superar a crise econômica, e isso se reflete nas projeções de crescimento cada vez menores. Ontem o Banco Central divulgou uma queda de 0,73% no índice de atividade de fevereiro.
Frases feitas do presidente Bolsonaro como “não entendo de economia” ou “tudo é com o Posto Ipiranga” só conseguem tranquilizar os jovens operadores do mercado. Conversas com pessoas mais graduadas revelam que tem havido muita saída de dinheiro do país e muita hesitação em apostar realmente em novos empreendimentos, por causa do conjunto de sinais negativos do governo.
Evidentemente nenhum presidente precisa ser especialista em economia, ou em educação ou em saúde, ou em transportes, ou em meio ambiente. Mas tem que ter capacidade de compreensão de assuntos complexos para a tomada de decisão. Até para delegar é preciso entender o que está entregando. A intervenção no preço do diesel foi apenas uma peça que tornou o todo bem coerente. Bolsonaro é o que sempre foi. Tem um conhecimento raso dos vários assuntos que precisa dominar para governar e preserva intacta a sua crença no intervencionismo econômico.
Apesar de ter como bordão que na dúvida, diante da sua incapacidade de entender economia, ele consultaria o ministro da Economia, ele não o fez. Decidiu por impulso, com o chefe da Casa Civil, um assunto que obviamente é econômico. A questão é que, ao contrário do que diz, não delegou a economia a Paulo Guedes. Da mesma forma que não delegou a questão da segurança a Sérgio Moro. Tanto que revogou a escolha de Moro por uma integrante suplente de um conselho. O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, vendeu uma versão ontem à tarde que contraria todos os fatos que o país viu na sexta-feira. Segundo ele, não houve intervenção na Petrobras.
Não é tão difícil consertar esse problema do preço do diesel. Difícil é entender por que já não o fizeram. Esse era um encontro marcado. Durante a campanha eleitoral, a imprensa cansou de perguntar sobre a fórmula de reajuste que ele usaria para o diesel, dado que a do ex-presidente Temer caducaria no fim de dezembro. Os especialistas no tema deram muitas entrevistas com alertas sobre a necessidade de resolver isso em tempo. Tudo ficou mais urgente quando os preços internacionais do petróleo começaram a subir. Era, portanto, uma questão de tempo para que os caminhoneiros confrontassem os reajustes. O governo poderia ter formulado, assim que foi eleito, uma política que desse aos caminhoneiros o conforto de não ter que conviver com altas sucessivas do combustível e ao mesmo tempo preservasse a liberdade de decisão da Petrobras. O governo ignorou a complexidade e a urgência do assunto porque quis. Não faltaram avisos.
Perda de valor de mercado, recupera-se. Desconfiança dos investidores da economia real é mais difícil de mudar. A dúvida sobre o Brasil vai além da reforma da Previdência. Mesmo se ela for aprovada com poucas alterações, e garantir uma economia importante nos próximos dez anos, as contas públicas continuarão sendo um problema.
O governo tem colecionado derrotas até na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Imagina como será na Comissão Especial. Os militares são a única categoria que pode ter aumentos salariais no ano que vem, como explicou ontem a equipe econômica na apresentação do PLDO.
O presidente tem sido incapaz de gerenciar a coalizão, tem dado sinais contraditórios na economia e tem criado conflitos sem qualquer ganho visível. A retração que houve na atividade de fevereiro, divulgada ontem pelo BC, de 0,73%, é mais um sinal que se soma a outros dados negativos deste começo de ano.
O Globo