Oitenta tiros e nenhum twitter. Por Bernardo Mello Franco – Heron Cid
Bastidores

Oitenta tiros e nenhum twitter. Por Bernardo Mello Franco

10 de abril de 2019 às 10h30 Por Heron Cid
Luciana dos Santos, mulher de Evaldo, chora na zona oeste no Rio. FABIO TEIXEIRA AP

Desde a tarde de domingo, Jair Bolsonaro deu uma entrevista, fez dois discursos e publicou 17 tuítes. O presidente fez autopropaganda, atacou a imprensa, criticou um instituto de pesquisas e debochou dos antecessores. Só não comentou a morte de Evaldo Rosa, metralhado pelo Exército quando levava a família para um chá de bebê.

O carro dirigido pelo músico tinha a bordo duas crianças, uma mulher e um idoso. Os soldados abriram fogo sem aviso. Acertaram ao menos 80 tiros de fuzil.

Depois de morto, Evaldo foi vítima de outro assassinato. Desta vez, de reputação. Em nota, o Comando Militar do Leste chamou ele e o sogro de “criminosos”. Os dois foram acusados de atirar contra os militares, que teriam respondido à “injusta agressão”. “Como resultado, um dos assaltantes foi a óbito no local”, concluiu o CML.

Apesar dos desmentidos de testemunhas e da Polícia Civil, o Exército sustentou a falsa versão até a manhã de segunda. Finalmente, admitiu “inconsistências” e informou que dez homens foram presos em flagrante. Eles serão julgados na Justiça Militar.

O falante Bolsonaro não se manifestou nem para consolar a viúva. O ministro Sergio Moro evitou dizer se o caso envolveria “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. O governador Wilson Witzel lavou as mãos. “Não me cabe fazer juízo de valor”, declarou.

O silêncio das autoridades soa como aval à escalada de mortes em ações policiais no país. Em 2017, foram 5.012, um salto de 19% em relação ao ano anterior. Fuzilado por engano, Evaldo se enquadrava no perfil mais comum das vítimas: 99% eram homens e 76% eram negros, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A retórica do “tiro na cabecinha” e a falta de punição por excessos servem como licença para novas mortes. O crime de Guadalupe poderia marcar uma virada, mas os políticos não parecem empenhados em fazer sua parte.

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Depois de nomear mais um polemista de direita para o Ministério da Educação, Bolsonaro deveria atualizar seu slogan de campanha. Agora é “Ideologia acima de tudo, Olavo acima de todos”.

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