Não vai ter golpe, vai ter luta! Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

Não vai ter golpe, vai ter luta! Por Reinaldo Azevedo

6 de abril de 2019 às 11h00 Por Heron Cid

E não é que voltamos a falar em “golpe” como quem diz “hoje é sexta-feira?” E, desta feita, não se trata apenas de uma leitura política interessada da realidade, vertida em palavra de ordem, como as esquerdas fizeram por ocasião do impeachment de Dilma: “Não vai ter golpe/ vai ter luta”. Não! Agora, conversa-se abertamente sobre a hipótese ela mesma, com coturno, uniforme, tanques, palavras de inspirado patriotismo sobre a verdadeira índole do povo brasileiro… É um despropósito!

Os que viveram 1964 sabem que havia, entre os que se ocupavam da questão política, uma dúvida: “O golpe será dado pelos militares contra João Goulart, ou ele conseguirá se acertar com parte considerável das Forças Armadas e desfechar um autogolpe?” Quando se mergulha nos bastidores que condicionavam os papéis dos atores relevantes da quartelada, vê-se que a dúvida era tola.

O governo que foi derrubado, “que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o país”, a que se refere o preâmbulo indecoroso do Ato Institucional nº 1, não dispunha de bala para dar um tiro. Conspiração de desarmados, por mais errados que sejam (e eram!), contra tanques é o que é: golpe dos tanques contra os desarmados. Não há mistério nisso. A propósito: a ditadura começou no dia 9 de abril, justamente com o AI-1, que determinou a forma da eleição indireta. É apenas mentira que se estava cumprindo a Constituição de 1946, como consta da Ordem do Dia que “rememora” o golpe. A propósito: a etimologia não distingue a palavra “rememorar” da palavra “comemorar”. No contexto em espécie, só as separa mesmo a hipocrisia, o tal tributo que o vício presta à virtude.

Fique avisado o leitor que anda descolado da realidade de Brasília e dela só tem notícia quando ecos de um funk já antigo trata de “tigrões” e “tchutchucas”: nos “becos e nos breus das tocas” da capital federal de Banânia, que são os corredores dos palácios, já se fazem apostas: será Bolsonaro só o boneco de mamulengo do Partido Militar, que resolveu se reestruturar, ou ele próprio, insuflado por meia dúzia de reacionários delirantes, está a mandar recados para os “cabos” da hora, tentando colá-los a seu “capitão”?

A julgar pelo tratamento dispensado pelo autoproclamado filósofo e professor Olavo de Carvalho aos generais do governo —e, por extensão, aos da ativa— e pela reverência de Bolsonaro e filhos ao Bruxo da Virgínia, dada a hipótese de golpe, parece que o próprio presidente da República se mostraria disposto a “ir aos bivaques para bulir com os granadeiros”.

Repararam o quadro de insanidade? Vejam o abismo em que nos metemos e para o qual nos empurrou a Lava Jato, que nunca viu distinção entre caçar corruptos e cassar direitos fundamentais, fazendo do ódio à política o combustível a inflamar consciências.

Ora, quem destrói, ainda que possa alegar bons propósitos, o arcabouço legal que nos deu a democracia, não a ditadura, está fazendo a aposta na ditadura sob o pretexto, então, de nos revelar a verdadeira democracia —mais ou menos como Vélez Rodríguez, essa figura patética, quer ver “a verdadeira história” contada nos livros didáticos. A propósito: considero obrigatória a entrevista concedida a esta Folha, nesta quinta (4), pelo advogado Marcelo Nobre.

Uma atmosfera tóxica ameaça a vida democrática quando o STF recebe, em sessão solene, o apoio de entidades que representam a sociedade civil. E notem que não estou aqui a contestar a necessidade do ato ou a menosprezar a sua importância. Dois dias antes, Luís Roberto Barroso, membro do tribunal, havia participado de um seminário em que anteviu a perda de legitimidade da corte caso esta não vote de acordo com o alarido de parte das ruas. No caso, ele deixou claro que só uma escolha é cabível ao Supremo: arbitrar contra, na votação da ADC sobre o artigo 283 do Código de Processo Penal, o que dispõe o inciso 57 do artigo 5º da Constituição, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trata-se de cláusula pétrea. Dane-se!

Conversas sobre golpes só prosperam quando aqueles que deveriam proteger as instituições, e vale também para a imprensa, se dispõem a pegar pedras para depredá-las. Aí qualquer figurante de quinta categoria, alçado a ator principal, se sente estimulado a ir aos bivaques para bulir com granadeiros. Em contexto novo, é preciso, sim, que nos demos conta de que “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Folha

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