Gozações ou ofensas envolvendo a mãe, a irmã ou a mulher são comuns em briga de rua. No Congresso, são mais raras. Num Brasil que regride aceleradamente nos costumes, desmerecer a mulher em piadas é o lado engraçadinho de um quadro terrível: a violência moral e física, em casa e fora dela. Nos primeiros meses de 2019, centenas de mulheres de todas as idades e classes sociais foram estranguladas, esfaqueadas, espancadas, atropeladas, incendiadas, afogadas, jogadas da janela e mortas a tiros por companheiros, namorados e ex. Centenas. A média é de cinco casos por dia. O motivo mais comum é o ciúme ou a rejeição do tigrão. A isso se dá o nome de feminicídio, ou “o assassinato da mulher por ser mulher”, lei desde 2015. Nem falo aí de estupro.
O Brasil atual parece querer se alinhar ao Brunei, no sudeste asiático. Lá, o sultão endureceu a sharia, a lei islâmica, ao ordenar que adúlteras e homossexuais sejam apedrejados até a morte e lésbicas sejam punidas com 40 chibatadas e 10 anos de cadeia. Deus me livre de o Brasil começar a se inspirar em códigos religiosos para criar e aplicar leis… não é, Damares?
É exagero comparar o Brasil ao Brunei. Mas fiquemos atentos. Não pensei que viveria para assistir à nomeação, numa comissão de política criminal, do delegado Wilson Damázio. Ele disse há seis anos que “homossexualidade é um desvio de conduta” e que mulher “acha o máximo dar para um policial” e “as meninas ficam tudo sassaricadas” quando policiais vestem o colete. Damázio considera “assunto encerrado”. Pediu desculpas. Desculpar-se não revoga o que pensa.
Enquanto escrevo este texto, respiro fundo. Minha mãe foi uma tigresa, de unhas afiadas e íris cor de mel. Fugiu, com ajuda dos irmãos, de um primeiro marido alcoólatra e violento nos anos 1950. Enfrentou preconceitos como desquitada. Era proibida de comungar na igreja. Eu, aos 16 anos, escapei de ser morta por afogamento na praia de Copacabana pelo primeiro namorado, um ciumento obsessivo. Tive dois filhos homens a quem eduquei como feministas. E hoje tenho uma neta de seis anos.
É preciso falar com elas. E com eles. Desde cedo. Em casa e na escola. É preciso ensinar por A mais B que assédio moral e sexual não é amor. Que cortejar é diferente de importunar. E que violência não tem perdão nem volta. É preciso mostrar a eles e elas que o feminismo é um movimento para garantir respeito mútuo, direitos e deveres iguais, no trabalho, na rua e na família. Noutro dia, vi numa rede social um amigo postar em letras garrafais que “o impulso do feminismo, o machismo de saias, é a falta de transar gostoso”. Vulgar, equivocado e reacionário. Senti pena dele. Não merece a mulher que tem.
O Globo