O problema não é o presidente Jair Bolsonaro não descer do palanque, como se diz por aí. Afinal, o celebrado Lula tampouco desceu do púlpito eleitoral em seus oito anos de poder. A questão que a muitos preocupa e a vários infelicita é o fato de, transcorridas doze semanas de governo, ele ainda não ter subido a rampa e, no gabinete do Palácio do Planalto, dado efeito ao que importa: o funcionamento da coisa pública. Como na piada do sujeito que fez dieta por quinze dias e no fim percebe que perdeu duas semanas na vida, o país completa 100 dias de Bolsonaro na Presidência sem nenhum ganho relevante no desatamento dos nós da administração que impedem o Brasil de sair do atraso na economia, saúde, educação e segurança. Na política, pretendendo avanços semeou paralisia pela falta de consistência do que seria o “novo” jeito de se relacionar com o Poder Legislativo.
Nenhuma de suas propostas andou. Nem as medidas provisórias, entre as quais estão a remodelação do Ministério da Economia e a liberação de auxílio de emergência às vítimas de Brumadinho. Isso num Parlamento que já aprovou confisco de cadernetas de poupança e quebra de paradigmas estatizantes com o impulso das urnas.
A situação soa ainda mais inusitada por se tratar de um presidente oriundo do Congresso e que, em tese, deveria ter noção sobre o papel da Casa no jogo democrático. Uma coisa é a campanha presidencial, durante a qual conta a relação do candidato com os anseios, reais ou ilusórios, do eleitorado. Outra, bem diferente, é a tratativa institucional que norteia o funcionamento da interdependência entre os poderes da República.
A independência consignada na Constituição requer harmonia. De forma alguma pressupõe que cada um faça o que lhe der na telha. Se o chefe do Executivo acha que pode atuar em desconexão com o Legislativo, é natural que a recíproca seja verdadeira. Donde os dois “trocos” que os deputados deram a Bolsonaro ao lhe infligir derrotas significativas com a aprovação do Orçamento impositivo e a rejeição do decreto que ampliava o escopo do sigilo a documentos oficiais.
O cacoete de parlamentar meramente reativo, livre para provocar em seu nicho de atuação no baixo clero, parece ser o que impede Jair Bolsonaro de perceber que o início do período presidencial corresponde à entrada em cena do Congresso, à mudança da natureza do palco e, sobretudo, às demandas da plateia.
Na campanha candidatos falam à arquibancada, mas na Presidência governantes precisam lidar com o pessoal das cadeiras e camarotes se não querem ver a partida ser encerrada antes do tempo regulamentar.
Analogia de quartel
Os militares lotados no Planalto têm um modo próprio de nominar as coisas. Quando andam bem, aludem ao “sistema cano-caixeta”, para exemplificar o encaixe perfeito da caixa de munição no cano da arma.
Segundo eles, a adaptação de Bolsonaro a uma relação normal com o Parlamento, em particular, e com o país, em geral, precisa ocorrer no perfeito ajustamento do cano à caixeta.
Publicado em VEJA de 10 de abril de 2019, edição nº 2629