JK era a bossa nova, enfrentava a inflação com um sorriso que era só felicidade. Jair Bolsonaro, discutindo com inimigos e amigos também, é a confirmação de que quem está no poder musical agora é a sofrência. Ninguém se ama, ninguém se quer, e a conjuntura nacional é vivenciada com o mesmo palavrório de uma pendenga amorosa. Dor de corno e falta de decoro parlamentar viraram a mesma coisa.
A política está lavando roupa suja ao estilo de uma DR desgovernada, e até a ditadura já foi defendida como “um casamento com problemas”. O amor de sofrência chegou ao baixo clero e tudo mais ficou para depois. Só há quorum regimental se a votação for sobre a necessidade de bloquear a dor humilhante de um pé na bunda.
“Estou vivendo um casamento hétero com o Paulo Guedes”, suspira o presidente em meio a uma rusga com o ministro – revelando, ao seu jeito macho de ser, que não toparia de tudo na cama liberal das reformas.
Não se trata de julgamento de valor ideológico. É só a constatação de que a música brasileira mais uma vez cumpre sua missão histórica e explica tudo. “Chega de saudade”, sussurrava João Gilberto no momento em que o Brasil de JK deixou de ser um país rural. Nos bastidores do governo Bolsonaro é porrada o tempo todo. Ninguém sabe mais o que é um hit de sofrência e o que é um debate parlamentar.
“Até em assunto nada-a-ver você quer me provocar” poderia ser uma frase de Rodrigo Maia para Bolsonaro, mas é um verso de Wesley Safadão em “Só pra castigar”. A verdadeira frase do presidente para o deputado, deflagrada num arranca rabo da semana passada, também parece saída de uma dessas situações do bate-e-volta amoroso, típicas dos casos complicados de que Safadão é mestre: “Eu e o Rodrigo Maia estamos voltando a namorar”, disse o presidente. O deputado, desconfiado, não disse sequer o protocolar “eu também te amo”.
A política nos tempos da sofrência não deixa ninguém trabalhar. É só beicinho e incompreensão. Os cantores não se entendem, os políticos que os ouvem também não, e eis que a grande pauta nacional ficou de lado. Só se discute a relação, o por que você é assim comigo? “Chego apaixonada e saio arrependida”, canta Marília Mendonça em “Bebi, liguei”. Quem ficaria surpreendido se hoje à tarde o Paulo Guedes dissesse o mesmo para se despedir do governo?
O amor, esta flor roxa que nasce no coração do trouxa, levou seu vocabulário de perplexidades para a política (“O que você faz quando uma namorada quer ir embora?”, pergunta Bolsonaro). Se o Bernardo Mello Franco me permite, se o Merval me aceita o pitaco, eu resenharia o país sob o viés do litígio amoroso divulgado pela sofrência. Menos Gramsci, mais Zé Neto&Cristiano, cantores de “Estado decadente”. Por mais que Bolsonaro reconheça as dificuldades (“Qual casamento é uma maravilha?”), eu acho, depois de ouvir Simone e Simaria, que Congresso e Executivo não podem dormir em camas separadas. É preciso amar. Sai, Safadão!
O Globo