Em pronunciamento pelo Facebook, na última quinta-feira (21), Bolsonaro disse que, “no fundo, não gostaria de fazer a reforma da Previdência, mas estaria sendo irresponsável com o Brasil nos próximos anos”.
Quem prestou atenção notou que a mensagem contradiz aquela da campanha oficial de que a nova Previdência promoveria a equidade e combateria privilégios. Ao dizer que no fundo preferia não fazer a reforma, o presidente deixa implícito que, para o trabalhador, do jeito que está é melhor do que como vai ficar.
O comentário poderia indicar apenas um descuido na comunicação informal e espontânea de Bolsonaro se não fosse a natureza do seu governo.
Embora a reforma da Previdência estivesse no programa de governo e o compromisso com ela fosse repetido como mantra na interlocução que Paulo Guedes estabelecia com o mercado, ela praticamente não apareceu na propaganda eleitoral nas mídias sociais.
As lideranças gostam de entoar o slogan “liberal na economia e conservador nos costumes”, mas há muitos indícios de que, se o fenômeno do bolsonarismo é indubitavelmente conservador nos costumes, ele não é (ainda) liberal na economia.
Há grande esforço de ideólogos não apenas ligados ao PSL mas também ao Novo e ao MBL em converter o bastante disseminado sentimento anticorrupção da sociedade brasileira em uma postura anti-Estado, mas isso ainda não produziu adesão ao liberalismo, para além de uma pequena militância.
O que esse esforço produziu, de fato, é a ideia tão equivocada quanto difundida de que, se a corrupção fosse efetivamente contida, haveria recursos suficientes para saúde, educação e aposentadorias.
A postura ambivalente de Bolsonaro com relação à reforma é a mais pura expressão do que acontece na base.
Quando Maia reclama que Bolsonaro e seus apoiadores passam tempo demais nas mídias sociais se engajando nas guerras culturais, em vez de construir as bases políticas para aprovar a reforma, ele não está apontando um erro de estratégia, mas aquilo que o bolsonarismo não pode deixar de ser.
O movimento que levou Bolsonaro ao poder é um conservadorismo com retórica antissistema. Ele não pode se normalizar sob o risco de destruir os fundamentos do seu poder, que já foram bastante desgastados pelos escândalos de corrupção.
Por isso não é razoável esperar que em algum momento Bolsonaro adote uma postura “presidencial”, torne-se mais conciliador e construa uma aliança pragmática para aprovar a reforma. Se a reforma sair, vai ter que parecer que aconteceu a despeito de suas ações beligerantes.
Folha