Não foi um partido nacional que pirou, nem torcedores desse ou daquele campo político que perderam a cabeça. Estamos vivendo um momento de transformação radical no mundo (oh, lugar-comum inevitável!), como consequência de tudo o que a humanidade anda fazendo nele e com ele. Não se trata da volta do comunismo, nem do aquecimento do clima, nem da confluência de Marte com Plutão.
Trata-se, sobretudo, de novas formas de relacionamento humano, através de novos conhecimentos que estão mudando a humanidade no ritmo deles, numa velocidade nunca vista antes. Neste país e no mundo. Isso já aconteceu antes quando, por exemplo, Gutenberg inventou a imprensa, e parte da Europa se alfabetizou, acabando com o monopólio do conhecimento na mão de príncipes e de monges. Mas a imprensa era uma arte industrial, precisava de especialistas e de uma linha de produção.
Já a internet não precisa de linha nenhuma de produção. Ela está aí, a nosso alcance, toda manhã e pelo resto do dia, dando voz aos sábios e aos imbecis, num alcance e numa velocidade que dificultam ou até, às vezes, impedem o esclarecimento e a contrapartida. O contraditório.
A internet não é apenas uma novidade tecnológica que aprendemos a manejar. Ela é um novo jeito de agir no mundo e, portanto, uma nova cultura. Uma nova cultura universal que não é herdeira de nada que veio antes, que nós estamos inventando cada vez que entramos nas redes e vamos navegar.
O que talvez ainda não tenhamos percebido é que, sendo uma nova cultura, ela exige de nós um novo comportamento moral. Uma ética do mundo digital, sem a qual a internet será sempre o lugar da imposição, da mentira e da violência contra o outro, como uma democracia sem a luz de uma eleição que defina para onde vamos. Para onde queremos ir.
Não adianta escrever manifestos contra ela, demonizar seus games e heróis, restringir o acesso universal à internet. Não adianta, e não é justo. Essa atitude corresponde à queima de livros nos embates religiosos do passado que, muitas vezes, eram disfarces para embates políticos pelo poder . A internet é uma invenção de sábios que está a serviço do homem comum. Aquele que, se não fosse a existência dela, estaria no bar da esquina planejando o desastre na vida do vizinho.
O tratamento diferenciado que costumamos adotar entre terroristas negros ou muçulmanos e terroristas brancos supremacistas, atuais estrelas da internet, não é culpa do mundo digital. Para nosso homem comum, os primeiros são selvagens por natureza e formação, devem ser simplesmente eliminados. Os segundos, como o australiano de Christchurch, na Nova Zelândia, são vítimas de distúrbios psíquicos produzidos pela sociedade, pela família ou por coisa parecida. Tais distúrbios individuais explicam e podem até perdoar seu comportamento.
Quando me refiro a uma nova ética, para a nova cultura do mundo digital, penso na manifestação de Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, sobre o massacre de muçulmanos em Christchurch: “Muitos dos afetados por essa fuzilaria talvez sejam migrantes, talvez até estejam aqui como refugiados. Mas eles escolheram fazer da Nova Zelândia o seu lar, e aqui é o seu lar. Eles somos nós”. Em vez de proibir a internet para menores ou para os despreparados, temos que ensinar uma nova ética ao homem comum que vai usá-la. A ética do respeito e do amor ao Outro.