Foi ele que me tirou do Dops quando fui preso em 1970, com uma filha de dois meses e minha mulher convalescendo de um tétano hospitalar. Passou a madrugada na Rua da Relação discutindo com o general Luís de França, secretário de Segurança Pública. Se responsabilizou por mim, e fui ordenado a não sair da cidade e que aguardasse novo chamado.
Voltamos para casa de táxi Fusca com o dia nascendo, ele me aconselhando a tomar mais cuidado com o que escrevia e me abraçando pelos ombros. Estou até hoje esperando ser chamado para depor.
Moderado e tolerante, ele compreendia meus arroubos de jovem esquerdista que interpelou o ministro da Justiça da ditadura, Alfredo Buzaid, colega dele na Faculdade de Direito de São Paulo, convidado numa festa em sua casa. “A censura de livros é um absurdo”, eu disse alto numa roda, e Buzaid nem ouviu. Vô Mottinha riu.
Victor Nunes Leal, Hermes Lima, Nelson Hungria, Evandro Lins e Silva, Ary Franco, Luiz Gallotti, Lafayette de Andrada, Aliomar Baleeiro, referências jurídicas nacionais, foram seus colegas e amigos no STF. Um dream team de notável saber jurídico e reputação ilibada. Não há notícias de brigas em plenário e egos em ebulição. Muito menos de protagonismos bizarros e amizades duvidosas. E menos ainda de reajustes salariais à sua vontade. Não é nostalgia, é história.
Agora, diante das arbitrariedades, do exibicionismo patológico e das pequenezas do atual Supremo, com a devida vênia dos que o engrandecem, sempre me pergunto o que o vô Mottinha acharia disso tudo.
Vejo-o balançando a cabeça e quase murmurando, “uma vergonha, meu filho… uma vergonha”.
O Globo