São questionáveis método e forma, deflagrada em pleno ato governamental, mas a leitura política do discurso adotado ontem pelo ex-governador Ricardo Coutinho não tem como ser diferente: ele sabe o seu exato tamanho e como usá-lo em todas as horas, inclusive as mais amargas, como a que seu grupo político tem penado nos desdobramentos da Operação Calvário.
Com a nítida e pública impressão de emparedamento, e vendo um exército inteiro na defensiva (basta ver o desânimo dos aliados na Assembleia), Coutinho tomou para si a tarefa intransferível do líder, expertise resultado do esmeril de 30 anos de vida pública e adversidades acumuladas.
E o fez não por opção, mas por uma razão: instinto de sobrevivência e pela consciência de que, mesmo fora do poder, ainda pertence a ele a estatura política suficiente para demarcar território, traçar a linha do combate e oferecer um grito de comando claro de ser captado e seguido por liderados e militância. Nisso, ele é quase insuperável por estas bandas, admita-se.
Foi esse o encaminhamento dele ontem nos microfones de solenidade oficial, com direito à transmissão por rádio estatal, diante de uma plateia que reconheceu sua a voz, tanto que não resistiu a ovacioná-lo de pé (que coisa!), apesar do contexto de um dos mais delicados e negativos momentos da trajetória socialista no Palácio da Redenção.
Desassombrado, Ricardo recorreu à sua hábil retórica, de fácil assimilação política e popular, para estabelecer uma base de argumento. Tratou de direito de defesa da ex-secretária Livânia Farias, inseriu a crise da Operação Calvário no cenário nacional, puxou o debate da espetacularização, misturou com o caldo perseguição política, mote recorrente da esquerda no caso do impeachment e de Lula e, nas entrelinhas, reduziu a investigação à tentativa de “terceiro turno”, jogando, por tabela, adversários e autoridades judiciais no mesmo terreno. Enfim, politizou o que está na área criminal.
Deu o script a ser seguido e reproduzido em cascata por uma aflita, desencontrada e atônita bancada governista diante dos estilhaços da prisão da ex-secretária Livânia Farias. E quem mais o faria, com tamanha impetuosidade, desenvoltura e ousadia, do que o próprio Ricardo Coutinho, um animal político com presas e natureza de fera indomável?
O cenário nebuloso e resultado imprevisível das investigações, com o avanço do cerco da oposição, foram a senha inadiável: quem não engole é engolido!