A disputa entre o sistema judiciário e o que o ministro do Supremo Gilmar Mendes chama de “Justiça de Curitiba” parece caminhar para um fim no julgamento que começou ontem do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja maioria tende a aprovar que os crimes conexos aos de caixa 2, como corrupção ou lavagem de dinheiro, devem ser encaminhados à Justiça Eleitoral, que definirá se tem competência para julgá-los, ou se os encaminha para a justiça comum.
Prevaleceu a interpretação fixada em jurisprudência de mais de 30 anos, como frisou o ministro Alexandre de Moraes. Os promotores de Curitiba, que vinham forçando uma interpretação alargada da legislação em nome do combate à corrupção, tiveram a primeira grande derrota, que pode se transformar em golpe mortal nas investigações da Lava Jato contra políticos que não têm foro privilegiado, como no caso que começou a ser julgado ontem, o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes.
Nesses cinco anos de existência da Operação Lava Jato, interpretações legais ajudaram a levar adiante as investigações e condenações de políticos corruptos, na continuidade do comportamento pioneiro do STF no julgamento do mensalão.
O ministro Luis Roberto Barroso, do STF, encarna esse espírito quando diz que “tudo o que é certo e justo tem que encontrar lugar no Direito”. Condenações de políticos por crimes de corrupção e assemelhados não era um fato normal na Justiça brasileira, seja no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seja no Supremo Tribunal Federal (STF), e a razão para essa dificuldade é que não são tribunais estruturados para tratar de fatos criminais.
Os procuradores de Curitiba sugerem que a dificuldade seja a relação promíscua entre políticos e membros dos tribunais superiores. No caso do TSE, muitos deles foram ou são também advogados de partidos e políticos.
O julgamento foi influenciado por um erro de estratégia dos procuradores de Curitiba, que nos últimos dias fizeram uma ação intensiva para defender a competência da Justiça federal nos crimes conexos aos eleitorais. Essa inabilidade ficou patente num artigo do procurador Diogo Castor no blog O Antagonista, com críticas tanto ao TSE quanto ao STF.
O advogado de defesa aproveitou o previsível repúdio dos ministros, inclusive porque a ministra Rosa Weber preside o TSE e vários deles já o presidiram, para levantar a tese de que estava havendo uma disputa ideológica de Curitiba contra os tribunais superiores.
O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, demonstrou sua indignação anunciando que faria uma representação no Conselho Nacional do Ministério Público. Para completar o quadro contra os procuradores, Castor fazia parte da fundação privada que os procuradores de Curitiba idealizaram, em conjunto com o governo dos Estados Unidos, para gerir parte da multa bilionária que a Petrobras teve que pagar pelos prejuízos causados aos investidores americanos.
Diante da reação negativa, os procuradores desistiram dele, mas o estrago na imagem estava feito. Fortaleceu-se a impressão, que já era grande entre os ministros do Supremo, de que a “Justiça de Curitiba” queria atuar autonomamente, emparedando os tribunais superiores.
As reações ao que chamava de “abusos” começaram mais nitidamente há tempos nas declarações e decisões do ministro Gilmar Mendes, que ontem parece ter alcançado a maioria do plenário. O ministro Alexandre de Moraes chegou a dizer que os procuradores queriam se transformar em uma “Liga da Justiça sagrada representando o bem contra a Justiça do mal”.
Tanto no STF quanto no STJ, ministros vinham, em algumas de suas turmas, interpretando a legislação a favor de Curitiba. No final do ano passado a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de suas turmas decidindo que prevalece a Justiça Eleitoral nos casos de crimes conexos.
O Supremo caminha para decidir a favor dos membros da Segunda Turma, que já vinham enviando à Justiça Eleitoral os casos de políticos acusados de corrupção e de caixa 2, sem separá-los.
A maioria da Segunda Turma é formada pelos ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Ontem os ministros Marco Aurélio de Mello, relator, e Alexandre de Moraes aderiram à tese, e pelo menos um ministro mais, o presidente Dias Toffoli, deve acompanhar o relator, formando a maioria.