Repousado sobre quase três décadas de exercício parlamentar como deputado depois de deixar o Exército com a patente de capitão, Jair Bolsonaro teve uma ideia: concorrer à Presidência da República renegando a política e resgatando princípios da atividade militar. Rendeu-lhe a vitória. Nesse aspecto, pode-se dizer que foi uma boa ideia.
Sob a óptica de governo eleito, empossado e depositário de responsabilidades tão grandiosas quanto complexas, foi uma decisão mal pensada. Pelo seguinte: a fim de simplificar o tema para o parco entendimento da maioria, Bolsonaro tratou a negociação política como coisa de bandido e agora, quando precisa dessas tratativas, se vê prisioneiro de uma situação que se revela uma arapuca e que o faz refém de uma ilusão decorrente da simplificação de raciocínio para fins eleitorais.
Aquela história de conversar com bancadas ditas temáticas deixando de lado os partidos era uma quimera. O tema reforma da Previdência é um só, e dele o presidente depende para construir, ou não, um muro de arrimo para assegurar êxito razoável a seu governo. Só que, para seguir nesse caminho, recua do discurso da eleição e fica parecendo que traiu o eleitorado.
No Congresso e cercanias entende-se perfeitamente bem a natureza da decisão de negociar a liberação de emendas ao Orçamento e espaços no governo (ainda que em escalões inferiores e em cargos distribuídos nos estados), mas nas ruas e nas redes não é bem assim. Descontados os fanáticos que aceitam qualquer coisa, o eleitorado que se deixou mobilizar pelo sentimento de que daqui para a frente tudo seria diferente certamente não anda gostando de saber que o governo resolveu “reabrir o balcão de negócios”.
É assim que tem sido noticiado, no mesmo modo de simplificação, o passo atrás de Bolsonaro e companhia diante da constatação de que a força do apoio e a pressão daquele eleitorado não são suficientes para fazer com que os parlamentares caiam por gravidade no colo do governo. Algumas evidências: a inexistência ainda de base congressual organizada, a derrota na votação de um projeto de maioria simples, a falta de interesse de deputados e senadores em entrar para o partido do presidente. Na Câmara o PSL teve duas adesões e no Senado, nenhuma.
Esse prudente distanciamento é incomum em governos recentemente eleitos e, no caso de Bolsonaro, ainda há a agravante das denúncias, demissões, frituras, desautorizações, declarações estapafúrdias e, como vimos agora, a descompostura extrema do presidente com a exibição de cenas de escatologia na internet.
Um governo nessa situação precisa da política mais que qualquer outro. Seja essa política nova ou velha. A tradução que o candidato fez das relações entre Executivo e Legislativo estava equivocada e dificulta ao presidente agora explicar aos cidadãos que é possível fazer coalizões para governar sem enveredar pela impostura, ilegalidade e improbidade. Mais dificuldade ainda existe quando esse mesmo presidente não ultrapassa o grau do tatibitate na forma de se comunicar.
Publicado em VEJA de 13 de março de 2019, edição nº 2625