É difícil se chocar com as declarações de Jair Bolsonaro. O presidente já exaltou torturadores, elogiou um ditador pedófilo, disse que uma deputada não merecia ser estuprada porque era “muito feia”. Mesmo com este histórico, ele conseguiu causar escândalo ao divulgar um vídeo escatológico a pretexto de “expor a verdade” sobre o carnaval.
Bolsonaro não precisou sair do palácio para saber que foi malhado por blocos e escolas de samba. Em todo o país, foliões ironizaram trapalhadas do governo e entoaram coros contra o presidente. O laranjal que ronda o Planalto caiu na boca do povo e nas redes sociais. Nas ruas do Rio, para cada pierrô parecia haver alguém fantasiado de Queiroz.
A tuitada pornográfica foi uma clara tentativa de revide. Já seria uma atitude imprópria, mas ainda assim o presidente passou do ponto. Sua postagem ofendeu milhões de brasileiros que participaram da folia sem praticar as obscenidades do vídeo. Além disso, difamou a maior festa popular do país.
Segundo o Ministério do Turismo, o carnaval deste ano injetaria R$ 6,78 bilhões na economia. A festa atrai turistas, lota hotéis e gera empregos. No Rio, apesar da má vontade da prefeitura, era prevista a abertura de 72 mil vagas temporárias.
A pregação moralista já deu muitos dividendos a Bolsonaro, mas até aliados consideraram que ele se excedeu. O Planalto tentou consertar a lambança ontem à noite, negando a “intenção de criticar o carnaval de forma genérica”. Apesar do recuo, o estrago estava feito. Os tuítes repercutiram mal nas redes sociais e na imprensa, aqui e no exterior.
Se não fosse tão autocentrado, o presidente saberia que o carnaval sempre criticou quem está no poder. É uma tradição da festa, contra a qual não adianta se insurgir. Em 1912, o marechal Hermes da Fonseca mandou adiar os cortejos por causa da morte do Barão do Rio Branco. O povo brincou duas vezes e o ridicularizou a ordem com uma marchinha: “Com a morte do barão / Tivemos dois carnavá / Ai que bom, ai que gostoso / Se morresse o marechá”.
O Globo