Rodrigo Maia lançou-se a umroadshow na semana passada. Deu entrevistas quase todos os dias. Havia método na mobilização; cálculo na repetição da mensagem. O tema foi a reforma da Previdência. O recado, claríssimo: “Não sou integrante do governo, mas presidente da Câmara”. Não se trata da obviedade que parece. Não à luz do comportamento do Planalto desde o início da nova legislatura. A rigor, não à luz dos procedimentos e das prioridades do núcleo duro bolsonarista desde a eleição de Jair Bolsonaro, em 28 de outubro de 2018.
No curso desses cerca de quatro meses, conhecida a composição do Parlamento desde 8 de outubro, Bolsonaro negligenciou a atividade política e não deu passo sem manifestar desdém pela interlocução com o Congresso; isto enquanto negava autonomia, peso da caneta, àqueles parcos e modestos, sobretudo Onyx Lorenzoni, que poderiam cuidar de alguma articulação, mas que se viram tolhidos (logo, desprestigiados) pela incapacidade de cumprir aquilo que prometiam. Ninguém volta a perder tempo com aquele que não pode entregar o que combina.
Até a semana passada, segundo colhido entre deputados, a operação política do governo podia ser definida em duas críticas: a dificuldade, quase impossibilidade, de acesso a ministros palacianos; e, uma vez os alcançando, a percepção de que não tinham autoridade para negociar e firmar acordos.
Não deveria ser surpresa. O presidente, homem de infantaria, nunca viu valor na formação de consenso, conforme indica a sua atuação como deputado em quase três décadas. Ao contrário: lucrando com o confronto, capitalizou como ativo eleitoral seu a criminalização da atividade política — um dos mais poderosos elementos constitutivos de sua vitória.
Ora, ninguém que dê tão pouca importância à política, tanto mais depois de uma eleição retumbante em que desprezou políticos, dará peso à política na hora de compor seu governo. Mais fácil crer na armadilha de que tamanho capital eleitoral projete um imperador.
Quem tiver acompanhado o período compreendido entre o estabelecimento do gabinete de transição e o começo do ano legislativo terá identificado o deslumbramento de um governo que acreditou na ficção da onipotência, na ilha da fantasia segundo a qual seria inofensivo apresentar o projeto de uma reforma tão impopular como a da Previdência sem saber nem sequer estimar a própria base no Congresso.
Difícil encontrar mais completa manifestação de autossuficiência, assim como se fosse possível, em Brasília, pactuar alianças em prol de um tal projeto de nação, falando em nova era e nova política, no momento mesmo em que se mostra àquele cortejado o real motivo da corte. Interesse com finalidade concreta e ainda urgente? Apoio, com a bola já rolando, à reforma da Previdência? O preço sobe. Os parlamentares farejam a insegurança do Planalto, sua exposição, e crescem. De repente, impõe-lhe uma derrota no plenário — um choque de realidade. Cadê as bancadas temáticas?
E então o susto. Do susto, o improviso. Aqui estamos, há pouco informados de que um Bolsonaro sob pressão, após ouvir severas reclamações dos partidos, enfim empoderou Onyx para — toma lá dá cá? — emular Eliseu Padilha e distribuir cargos de segundo e terceiro escalões para os partidos. Vão abrir os cofres — questão de tempo.
Porém, entre o dia 20 de fevereiro, data em que entregou o projeto de reforma previdenciária ao Parlamento e a última terça, 26, quando houve o encontro do presidente com os líderes partidários, e ante a evidência de que simplesmente inexistia no Congresso, o governo testou se pendurar — como salvação de sua agenda — na força de Rodrigo Maia, e experimentou vender uma associação que de súbito fez do presidente da Câmara um agente do Planalto, quase o líder de Bolsonaro na Casa que comanda; motivo maior pelo qual Maia botou o bloco na rua, razão de haver colocado a boca no mundo ao longo da semana passada.
Ele não apenas apregoou sua independência, reforçando a condição de gestor dos interesses de todos os partidos, como, no mesmo conjunto de recados, foi explícito, quase duro, ao chamar o presidente da República à responsabilidade. Eis a mensagem: a reforma da Previdência é fundamental para o Brasil, mas o projeto é de Bolsonaro, aquele que colherá os maiores dividendos da aprovação, aquele, pois, a quem cabe a primazia de convencer a sociedade. Maia foi categórico: no sistema presidencialista brasileiro, quem dá o norte da vida pública do país — incluída a pauta de prioridades — é o chefe do Executivo.
No caso de Bolsonaro, eleito de maneira espetacular, conquistar o Parlamento passa obrigatoriamente por arriscar o próprio e imenso capital político. Tem de botar a cara. O recado não tem senões: se o presidente não o fizer, se não se submeter ao ônus de governar, não será Maia — não será o Congresso — a fazê-lo.
O Globo