Até na guerra há respeito pelos mortos e pelo luto. No Brasil de hoje, marcado pela rivalidade e extremismo absoluto, esse limite foi patologicamente ultrapassado.
A postagem ontem do deputado Eduardo Bolsonaro, em comentário de resposta ao twitteiro Maurício Costa, é o exemplo trágico.
Sobre o pedido da defesa do ex-presidente de possibilitar que Lula possa estar no velório do neto, uma criança de sete anos de idade, cuja vida foi precocemente abreviada pela meningite, o filho do atual presidente vomitou:
“Lula é preso comum e deveria estar num presídio comum. Quando o parente de outro preso morrer ele também será escoltado pela PF para o enterro? Absurdo até se cogitar isso, só deixa o larápio em voga posando de coitado”.
Quando a disputa política perde todos os limites do bom senso, da solidariedade humana e do natural sentimento de pesar pela dor alheia, há algo de errado.
Lula, de fato, como disse o irado parlamentar do PSL, é um “preso comum” e está pagando pelos crimes pelos quais foi julgado.
E por isso mesmo deve ter o direito de “preso comum”, consagrado pela Lei de Execução Penal, de poder estar na dilacerante despedida derradeira de um familiar próximo. Nesse caso, o adeus a um neto, uma criança de sete anos.
Diferente do enterro do irmão Vavá, onde esse direito fora perversamente negado, Lula só será escoltado pela PF porque está numa cadeia federal. Se tivesse num presídio comum, seria levado pela PM, certamente.
Não é caso de uma entrevista, de um ato em comício, ou campanha mesmo, como chegou a buscar, de forma desesperada, o PT. É caso de morte. Morte de um neto, filho duas vezes.
Até na ditadura militar, Lula, preso político à época, ao contrário de agora, condenado em todas as instâncias por ocultação e bens e corrupção passiva, teve a permissão para enterrar a mãe, dona Lindú.
Se o apenado não tivesse esse direito, o presidente do STF, Dias Toffoli, não teria autorizado Lula a ver o irmão, embora tardiamente, e nem ontem a Justiça Federal haveria despachado sentença liberando o petista para velar o sangue do seu sangue inerte dentro de um caixão.
Até entende-se que o deputado não nutra apreço ao ex-presidente, ao detento, ao político, mas respeite-se ao menos o avô e o luto. Isso é antes de tudo uma questão de humanidade, princípio acima das lutas e diferenças políticas.
Que até se tripudie sobre o ocaso do político e seus erros, mas não dá pra encarar como normal que se rompa a fronteira do aceitável e se pise em cima de um caixão para atingir o adversário.
Ainda mais quando na urna funerária está um ser humano que nada tem a ver com essa insana disputa onde nem nem vivos e nem mortos escapam do ódio.
E logo partindo de um filho que viu o pai sendo vítima do ódio, da crueldade e da intolerância em forma de uma facada.