A inutilidade das polêmicas. Por Míriam Leitão – Heron Cid
Bastidores

A inutilidade das polêmicas. Por Míriam Leitão

28 de fevereiro de 2019 às 09h30 Por Heron Cid
O ex-ministro Gustavo Bebianno, demitido por Bolsonaro (Pedro Ladeira/Folhapress)

O governo roda em torno de si mesmo e do nada. Num país cercado de urgências e de problemas graves, o presidente, seus filhos, alguns ministros, altos funcionários são dedicados criadores de falsas polêmicas. Se nada mais tivéssemos para fazer, poderia ser divertido. Teríamos não um governo, mas uma central de entretenimento que oscila seus estilos entre o hilariante, o nonsense, o desprezível. Com a pesada agenda que temos e os absurdos que acontecem, o show não diverte. Acabrunha, irrita, revolta.

Nem bem nos recuperamos de uma e vem outra. Em três dias, houve o caso da carta do ministro da Educação, o do filho do presidente, Eduardo, defendendo o muro dos Estados Unidos contra o México, e o do presidente, Jair Bolsonaro, chamando de estadista o chefe de uma cleptocracia sanguinária que dominou os paraguaios por 35 anos. Mas desde o começo do mandato, a lista das polêmicas inúteis é extensa. Com elas, o governo perde tempo, quando todas as atenções deveriam estar em questões sérias que temos que superar para construir o futuro. Elas tiram atenção até dos projetos importantes como a reforma da Previdência e o pacote anticrime.

Há sempre quem pergunte. Viu a última? E este governo parece inesgotável produtor de últimas. Ele cria fatos que mais parecem fake news. A defesa de Alfredo Stroessner foi a mais recente, mas nada impede que enquanto escrevo estas linhas os caprichosos criadores de estultices estejam em atividade.

Stroessner foi o que foi. Não um homem de visão, um estadista, como descreveu Jair Bolsonaro, mas o chefe de um governo que torturou, matou e roubou por 35 anos. Não há ditadura boa, mas há algumas piores do que as outras. A do Paraguai foi das piores. Comandada com mão de ferro por um capitão reformado, que ficou no poder de 1954 a 1989, a ditadura paraguaia agia através de uma polícia política das mais violentas e não poupou nem integrantes do governista Partido Colorado. Se Bolsonaro pensou estar homenageando os paraguaios, errou. É figura tão controversa no nosso vizinho que o presidente Abdo Benitez, também do Partido Colorado, ficou em silêncio e não ecoou o presidente brasileiro. Stroessner, além de tudo, foi acusado de ter desviado bilhões para si e sua família. O país foi pilhado pelo governante que Bolsonaro admira.

Quando defende ditadores com tal convicção, Jair Bolsonaro informa sobre os valores que tem. Ele não é um democrata. Está democrata. Chefia um governo constitucional e legítimo, mas gosta mesmo, admira de fato, tem como heróis quem prendeu, torturou, matou e, no caso de Stroessner, roubou. O presidente brasileiro só exerceu mandatos que conquistou nas urnas, mas não deixa dúvidas sobre o seu ideário político.

O ministro Vélez Rodriguez conseguiu o fenômeno de cometer vários erros numa penada só. A carta é ruim pelo teor, pela intenção, pelas palavras escolhidas. Hino e bandeira são partes do pertencimento de cada cidadão em qualquer lugar do mundo, são símbolos da pátria e nunca de um governo que, por natureza, é transitório. O ministro da Educação só se deu conta que não poderia mandar filmar crianças para usar as imagens em propaganda governamental após as críticas. Aí avisou que pedirá autorização dos pais. Dos vários erros da sua carta infeliz aos professores e às escolas, ele só recuou do uso do bordão de campanha eleitoral. Mas o equívoco maior é o que ele não tem feito. Vélez Rodriguez não tem dedicado seu tempo aos graves problemas educacionais brasileiros. Gasta seu expediente em impropriedades seriais.

Os filhos do presidente já produziram tantas confusões que o espaço é curto para listá-las. Que fique apenas registrado o tom de sabujice com que o deputado Eduardo Bolsonaro disse que os brasileiros apoiam o muro que o presidente Donald Trump quer construir. Alguém precisa avisá-lo que do lado de cá do muro ficam latino-americanos, grupo ao qual pertencemos. E que ele não recebeu a delegação para falar em nome dos “brasileiros”.

A distribuição de cores por gênero em discurso histriônico, o ataque sem sentido do ministro do Meio Ambiente a Chico Mendes, o mesmo ministro apanhado com informação falsa em currículo, os delírios do chanceler. Há uma lista infindável de polêmicas artificiais criadas pelo governo. Como se não fosse o Brasil um país com tantas aflições reais.

O Globo

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