Uma ação compartilhada. Por Merval Pereira – Heron Cid
Bastidores

Uma ação compartilhada. Por Merval Pereira

25 de fevereiro de 2019 às 14h00 Por Heron Cid
Rodrigo Maia, presidente da Câmara

“As posições de todos os integrantes (da reunião) foram colocadas na mesa. Nem sempre congruentes, mas ao final a decisão tomada foi compartilhada”. Assim o porta-voz do Palácio do Planalto, General Rego Barros, me confirmou a informação, publicada na coluna Painel da Folha de S. Paulo, de que o presidente Jair Bolsonaro consultou os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Davi Alcolumbre, e do Supremo Tribunal Federal, Dias Tofolli antes de confirmar a participação do Brasil no envio de ajuda humanitária à fronteira com a Venezuela.

O melhor é que as opiniões “nem sempre foram congruentes”, o que indica que o voluntarismo não teve lugar nessa discussão. O grande temor era de que Bolsonaro, tendo entrado em confronto pessoal e público com o ditador Nicolás Maduro, inclusive com ofensas de lado a lado, pudesse se deixar dominar pela paixão. Ao contrário, tomou uma decisão debatida amplamente.

O deputado Rodrigo Maia e os generais Santos Cruz, da Secretaria de Governo, e Augusto Heleno Gabinete de Segurança Institucional (GSI) temiam que uma participação do Brasil em tal tipo de “ação humanitária” pudesse ser interpretada como se o país estivesse endossando uma ação dos Estados Unidos no conflito venezuelano.

A participação brasileira teve o apoio apenas de um dos ministros militares, o da Defesa, General Fernando de Azevedo Silva, mas também dos presidentes do Supremo e do Senado, além da do ministro das Relações Exteriores Ernesto Araujo.

O presidente Bolsonaro tratou de tranqüilizar os que estavam contra a medida, garantindo que tropas brasileiras não entrariam em território venezuelano para entregar os mantimentos, e nem as dos Estados Unidos seriam autorizadas por ele a entrarem na Venezuela pela fronteira brasileira, caso eventualmente o conflito se agrave.

As análises do Itamaraty e dos órgãos de informação do governo indicam que dificilmente Maduro teria condições de impedir a entrada desses mantimentos, e politicamente foi considerada uma vitória dos apoiadores do presidente interino a confirmação da chegada deles nas fronteiras tanto de Brasil quanto da Colômbia, tendo entrado na Venezuela.

O próprio Guaidó anunciou em seu twitter os dois fatos, comemorando a passagem do caminhão brasileiro entregue na fronteira, e denunciando que o da fronteira da Colômbia estava enfrentando resistência armada da Guarda Nacional.

O clima de “guerra fria” revivido pela crise venezuelana, colocando o Brasil entre os Estados Unidos e China e Rússia, que dão apoio a Maduro, é o que preocupa setores militares brasileiros e está por trás da resistência dos ministros militares de participar da “ajuda humanitária” organizada pelos Estados Unidos.

O próprio ministro da Defesa, que foi a favor da ação, deu entrevistas ontem afirmando que não há a menor possibilidade de haver confrontos na fronteira com a Venezuela.Há quem considere no meio militar que o Brasil está fragilizado em sua liderança de fato na região, deixando que a crise trouxesse para cá disputas como essa.

Hoje haverá outra reunião, desta vez no Palácio da Alvorada, de avaliação da situação para que o vice-presidente Hamilton Mourão, outro militar que apoiou a ajuda humanitária, leve à reunião do Grupo de Lima em Bogotá a posição brasileira,que deve ser reiterada no sentido de apoiar uma solução negociada.

O Grupo de Lima reúne 14 países das Américas (Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, Santa Lucia) com o objetivo de tratar da crise na Venezuela. Além dos Estados Unidos, que faz parte como observador e mandará o vice-presidente Mike Pence.

Um confronto que saísse da retórica levaria o Brasil a ter que tomar posição, uma situação desastrosa geopoliticamente, na região onde somos hegemônicos e deveríamos impor nossa liderança através da negociação, em vez de bravatas bélicas.

Que, aliás, seriam extemporâneas, pois o país, devido à crise econômica aguda que nos levou a anos de recessão e atraso tecnológico, não dispõe de condições de poder econômico e militar. Uma ação mais agressiva exigiria de nós esforço excessivo para mantermos nossa liderança natural, que seria confrontada.

O Globo

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