Se vocês querem uma medida da sanidade da tropa que chegou ao poder, basta a informação de que o clã Bolsonaro, os nossos Kennedys, está empenhado na criação de um novo partido: a UDN. Aqui e ali, com a boa-vontade dos ignorantes, alguns falam em recriação da União Democrática Nacional, que não deixa de ser o retratado na miséria política e intelectual em curso: aqueles que representariam a nova política no Brasil, o neoconservadorismo, pretendem resgatar a marca da velha direita nativa, que só existiu com a configuração que tinha porque havia um Getúlio Vargas. Em seus 20 anos de história, entre 1945 e 1965, a UDN deixou, com efeito, um grande legado para o Brasil: a crise que resultou no suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e, dez anos depois, no golpe militar.
Quem expressou com mais precisão a metafísica influente na UDN foi o então chefe do Estado Maior do Exército do governo João Goulart, um certo marechal Castelo Branco, primeiro presidente do golpe desfechado em 1964. Referindo-se às lideranças udenistas que iam buscar nos quarteis o que não conseguiam no voto, afirmou: “Eu os identifico a todos. São muitos deles os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias ao Poder Militar”. Sem o rococó rocambolesco, criticava os vagabundos que iam bater às portas dos quarteis pedindo intervenção militar. Castelo e os outros cederam aos vagabundos. E o resto é história.
Os militares estão de volta à cena política, ainda que a ela tenham retornado por intermédio do voto. Quem liderou a jornada foi um capitão reformado que se tornou deputado e passou quase 30 anos na Câmara apegado a miudezas do corporativismo e a cultivar o saudosismo de uma ditadura que ele próprio não viveu senão perifericamente. Foi um mau militar. Mas se tornou o beneficiário do ódio à política a que nos conduziu a Lava Jato. E chegamos onde chegamos. O velho espírito golpista do udenismo, desta feita, passou a usar a toga de juízes e procuradores. A grande vivandeira destes dias, vamos convir, atende pelo nome de Sérgio Moro, o ministro da Justiça que propôs o AI-5 para “os pobres de tão pretos e os prestos de tão pobres”: refiro-me à licença para matar que o doutor quer ver abrigada pelo Código Penal. Setores da própria imprensa antes empenhados na defesa dos direitos fundamentais e dos valores democráticos fazem um silêncio reverente diante do delírio reacionário porque, afinal, ele se fez o paladino de uma luta contra a corrupção que jogou no lixo a própria institucionalidade.
Ah, não! Os militares, se querem saber, não têm nada com o desastre político em curso. Têm-se comportando muito bem. Dada a desordem política a que fomos conduzidos e da qual Bolsonaro se fez beneficiário, devem ser vistos antes como garantia de alguma racionalidade. Se querem saber como poderíamos estar sem eles, olhem para a face civil do governo e para as figuras momescas que falam em seu nome no Congresso. Observem que escrevi um texto que já passam de três mil toques e ainda não toquei na crise que envolve Gustavo Bebianno, aquele que será posto hoje na rua com todas as desonras.
Bolsonaro não vai demiti-lo por causa dos laranjas a que o PSL recorreu na campanha eleitoral. O que move o pai do senador Flávio Bolsonaro — o rapaz que gosta de condecorar milicianos — e amigo de Fabrício Queiroz não é um aguçado senso de moralidade. É que um outro filho resolveu botar as garras de fora e expulsar do governo um antigo desafeto. A nação vive hoje embalada por esses altos propósitos. Como o tal PSL não tardará a ser um ajuntamento de folhas corridas sem biografia, então os Bolsonaros, com a reforma da Previdência em curso, decidem se meter na criação de um novo partido cuja maior virtude é ecoar a vocação golpista. Moro, o jurista do excesso escusável contra os pobres de tão pretos e pretos de tão pobres, deveria assinar a ficha nº 1.