Semana passada, já tinha enviado meu artigo pro jornal quando soube dos jovens atletas do Flamengo mortos no incêndio do CT do clube. Não deu mais tempo de tocar no assunto e amarguei essa ausência de uma homenagem a eles. O Brasil está começando o ano de 2019 muito mal, cheio de tragédias irreparáveis, situações que nos atiram de volta a um passado de quinta no concerto das nações. Um passado em que os brasileiros não tinham a menor importância. Nesse tempo de pé no chão, elogio da bananeira e expectativa de vida muito curta, o brasileiro se defendia com a ideia, inventada por um escritor austríaco, Stefan Zweig, que viveu por aqui e por aqui acabou se suicidando, de que éramos “o país do futuro”. No presente, o Brasil só servia para jogar futebol e brincar o carnaval.
Foi o resultado da Segunda Guerra Mundial, o fim da ditadura do Estado Novo e os paradoxos da Guerra Fria que nos prepararam para o tempo em que vivíamos. Não era o pensamento progressista e libertário que conduzia o país para a frente. Mas, pelo menos, se revelava uma força capaz de enfrentar, com certa distinção, o velho patrimonialismo que, associado ao desprezo por nós mesmos, nos tornava uma eterna esperança.
Uma geração de brasileiros acreditou na nossa capacidade de inventar uma cultura e uma política originais, um modo de pensar e viver que transformaria a civilização planetária, graças à generosidade, à solidariedade e à fraternidade de nossas ideias. O Brasil não era ocidental, nem oriental. Não seria um país capitalista, nem comunista. Nem religioso, nem ateu. Seríamos alguma coisa nova, que não existira antes de nós, e que nós mesmos não saberíamos explicar direito. Não sabíamos explicar o que ainda estava em progresso, só viver a experiência social e intelectual que, tínhamos certeza, haveria de ser vitoriosa. Foi preciso a reiteração do golpe militar, em 1968, com sua clara disposição autoritária, para acabar com os nossos sonhos que duraram tanto. Mesmo a partir de 1964, nos quatro anos anteriores ao AI-5, no tempo de uma ditadura envergonhada e molenga.
O Brasil perdeu o rumo de suas vocações de modo tão radical que não soubemos nem mesmo criar uma alternativa democrática mais original para o fim do regime autoritário. Claro que o que nos aconteceu, a partir de 1985, foi uma espécie de ressurreição. A oposição foi anistiada, voltamos a votar em quem bem desejássemos, a dizer o que quiséssemos sem medo de cadeia, a escrever sem censura e castigo. O Brasil continuou sendo o país do futuro, mas um futuro que já tinha passado.
Hoje voltamos a esse passado sem futuro. Um tempo ao qual nosso presidente, eleito livremente por nós, afirma querer nos fazer retornar. No meu coração, sinto como se essas tragédias todas que nos têm acontecido sejam um aviso para que a gente pare de besteira e tome consciência do que somos, nossa incompetência e falta de vocação para a verdadeira felicidade coletiva.
Vejo o presidente da Vale dizer aos parlamentares do país que sua empresa é uma “joia da coroa”, quando o “acidente” por ela provocado, repetindo o outro de apenas três anos atrás, matou 169 pessoas e deixou desaparecidas outras 141 (certamente também mortas), fora as perdas materiais pelo caminho. Em qualquer tipo de raciocínio, essa companhia teria que fechar as portas por falta de competência para a mineração que pretende praticar. Como os dirigentes do Flamengo tentam dar outros motivos, pela morte de seus dez jogadores adolescentes, quando todo mundo já sabe que o clube não tinha autorização dos serviços públicos para deixar funcionar o frágil contêiner em que eles foram queimados. Não basta abraçar os inimigos esportivos de ontem para celebrar as vítimas desse crime hediondo.
A morte de um ser humano é tão trágica quanto a de uma legião deles. Fico pensando se um jornalista exemplar como Ricardo Boechat e o nosso ícone do espetáculo Bibi Ferreira não morreram, na mesma semana, de puro desgosto. Quem mandou ser brasileiro?
O Globo