Ricardo Boechat, um dos jornalistas com mais garra neste país, partiu muito jovem e no momento em que os meios de comunicação tradicionais mais necessitam de figuras livres como ele, a respeito de quem o melhor elogio que li foi: “Até seus inimigos o respeitavam”.
Não deixa de ser simbólico que Boechat, antes de desaparecer para sempre, tenha falado sobre a impunidade das tragédias que o Brasil está vivendo em cadeia neste 2019. Um ano que deveria ter sido de renovação da política aparece mais como uma nuvem carregada, com seu novo presidente, Bolsonaro, ainda no hospital, e o país como que sendo assolado por uma peste que está ceifando muitas ilusões.
Sua morte repentina também parece ser simbólica da crise que atravessa a informação séria, essa que se nega a ser pura publicidade e se vê aprisionada pelas novas e turbulentas técnicas de comunicação onde é a cada dia mais difícil, como dizia Boechat, “distinguir a verdade da mentira”.
Se esse jornalista que trabalhara na imprensa escrita e audiovisual era de fato respeitado até por seus inimigos, isso foi porque seu trabalho era sério. Era um jornalista crítico, como não pode deixar de ser quem entra neste ofício de querer contar às pessoas o que o poder geralmente tenta esconder.
O mérito de Boechat, além de seu rigor profissional e de sua consciência sobre a importância de contar as coisas às pessoas sem lhes mentir, era o de se fazer entender por todas as classes sociais. Era ouvido e lido nas esferas políticas e nos templos econômicos, mas também pela gente comum. Perguntem aos milhares de taxistas que a cada manhã estavam atentos ao seu programa de rádio. Sem saber que eu era jornalista, às vezes me perguntavam: “Ouviu o Boechat? Hoje ele desceu a lenha”.
Essa capacidade de saber chegar com as notícias ou com seu comentário a todos é uma das alavancas que movem o jornalismo desde sempre — assim como sua capacidade de se fazer respeitar por seu escrúpulo em não tergiversar nem censurar.
Passei minha vida dedicado a este simples ofício de jornalista. Já escrevi reportagens à mão, e já tive que levá-las fora de casa, quando era correspondente, para que a transmitissem para mim por telex à redação do jornal. A primeira vez que me deram um pequeno computador portátil, aquilo me parecia uma miragem, um truque de mágica. Hoje, até uma criança de quatro anos é capaz de nadar nas redes com total naturalidade. Elas são a Enciclopédia Universal com a qual Borges sonhava. Elas são o futuro da comunicação.
E entretanto, como velho jornalista e admirador do querido Boechat, com quem me encontrei várias vezes nas finais do Prêmio Comunique-se de jornalismo, sou invadido por uma onda de orgulho quando alguém, ao ler uma notícia chocante nas redes, para se assegurar da sua veracidade, pergunta de qual jornal, rádio ou televisão saiu tal notícia. A credibilidade, hoje em dia, ainda continua viva nos meios de comunicação tradicionais.
Tem razão o presidente do Supremo Tribunal Federal, Antonio Dias Toffoli, quando, comentando a notícia da morte de Boechat, afirmou que se trata de um dia de luto “para a imprensa e a sociedade”. Vivemos tempos fragmentados e incertos, onde figuras com a força e a paixão que Boechat conferia à informação, agradasse ou não ao poder, são fundamentais para uma sociedade que parece ter perdido uma bússola que lhe confirme a cada momento que ela não está sendo enganada.
Obrigado, Boechat!
El País