Xingamentos, ameaças de agressão, roubo de pasta. O Senado se esforçou para manchar a própria imagem na noite de sexta. Os eleitos discutiram por mais de cinco horas e não escolheram o novo presidente da Casa. Na madrugada, o Supremo anulou a sessão por causa de manobras proibidas pelo regimento. Parecia o fim, mas era só o começo do vexame parlamentar.
No sábado, os senadores superaram o circo da véspera. Depois de mais bate-boca, a eleição foi realizada em cédulas de papel. Quando abriram a urna, havia 82 votos — um a mais que o número de votantes. O Senado produziu uma fraude eleitoral com transmissão ao vivo na TV.
A origem de todo o tumulto foi a teimosia de Renan Calheiros. O emedebista ignorou os apelos por mudança e insistiu em comandar a Casa pela quinta vez. Apesar da experiência, não notou a mudança do vento. Dos 54 eleitos em 2018, 46 são novatos. Escolhidos pelo discurso da renovação, identificaram nele o símbolo da “velha política” a ser expurgada.
O alagoano também enfrentou uma operação de guerra do Planalto. O ministro Onyx Lorenzoni articulou o lançamento de Davi Alcolumbre, alçado do baixo clero para ser o candidato da situação. Pouco conhecido, o amapaense contou com o Diário Oficial como cabo eleitoral. Pelo que se viu, suas promessas foram tentadoras.
Ao se firmar como o anti-Renan, Davi montou uma coalizão que uniu de bolsonaristas a marineiros. Na reta final, o governo escancarou o lobby a seu favor. Até Flávio Bolsonaro, que já havia se justificado por não revelar o voto, declarou apoio ao candidato do DEM. A fala do filho do presidente selou o favoritismo do amapaense e levou Renan a capitular.
Davi despontou do anonimato com uma performance que não envergonharia o rival. Na sexta, ele grudou na cadeira de presidente e atropelou o regimento em benefício próprio. Suas manobras significaram uma “verdadeira metamorfose casuística”, na descrição suave do ministro Dias Toffoli.
O governo ganhou, mas o dia seguinte no Senado ainda é de incerteza. Apesar dos elogios que recebeu ontem, Davi inspira desconfiança até entre seus eleitores. O novo presidente do Senado já foi grampeado pela Polícia Federal com um doleiro envolvido em múltiplos escândalos. Em conversas reservadas, colegas admitem o temor de que ele se revele um novo Severino Cavalcanti — o deputado que perdeu a presidência da Câmara porque extorquia o dono do bandejão.
Mesmo derrotado, Renan também pode complicar a vida do governo. Ao retirar a candidatura, ele deixou claro que vai pretende liderar uma oposição feroz ao Planalto. Sozinho, poderá causar mais estrago que os seis senadores do PT.
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Ao discursar como candidato a presidente do Senado, Fernando Collor avisou: “Tudo o que proponho já tive a oportunidade de demonstrar na prática”. Terminou em último lugar, com três votos.
O Globo