Na sexta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que quem ameaça um deputado “está cometendo um crime contra a democracia”. Não foi só uma manifestação de solidariedade a Jean Wyllys, que desistiu do novo mandato. Ele aproveitou o caso para demarcar mais uma divergência em relação a Jair Bolsonaro, que preferiu debochar do desafeto.
Num governo que insiste em manter a retórica agressiva da campanha, Mourão tem se destacado como uma voz moderada. Ele reforçou essa diferença nos últimos dias, ao estrear como presidente em exercício.
O vice não ocupou o gabinete do titular, mas ignorou a recomendação para permanecer calado. Falou à vontade, quase sempre na contramão do companheiro de chapa.
Na terça-feira, Bolsonaro faltou a uma entrevista coletiva em Davos e se gabou, no Twitter, de supostamente “deixar a imprensa aterrorizada”. Meia hora depois, Mourão usou o microblog para agradecer “pela dedicação, entusiasmo e espírito profissional” dos repórteres que acompanham suas atividades em Brasília.
No dia seguinte, o vice descartou a possibilidade de expulsão da embaixada da Palestina em Brasília. Em agosto, Bolsonaro havia ameaçado desalojar a representação diplomática, em mais um aceno ao governo ultraconservador de Israel. “Não tem nada disso. Os dois Estados são reconhecidos”, retrucou Mourão.
O vice também lançou dúvidas sobre o decreto das armas. Ele sugeriu que a medida não produzirá os resultados prometidos. “Eu não vejo como uma medida de combate à violência. Vejo apenas, única e exclusivamente, como um atendimento de promessa de campanha do presidente”, afirmou.
O tom moderado de Mourão é uma boa surpresa. Na campanha, o vice estimulou temores ao falar em “autogolpe” e defender que uma Constituição “não precisa ser feita por eleitos pelo povo”. Ele já havia sido punido por declarações impróprias em 2015, quando era general da ativa. Na época, criticou o governo e permitiu uma homenagem a um torturador da ditadura militar.
Agora ele tenta se reposicionar depois de ser escanteado na montagem do governo. Sem função definida, o vice tem conversado com parlamentares, empresários e diplomatas estrangeiros. Deputados que foram ao Planalto nos últimos dias dizem que ele evita reclamar de Bolsonaro, mas deixa claro que se sente subutilizado.
“Ele ficou numa situação embaraçosa, mas está mantendo o equilíbrio. Até o parabenizei por isso”, conta Otoni de Paula (PSC-RJ). “Tem um duelo de opiniões com o presidente, né? O general quer mostrar que não é quadrado, que é mais evoluído”, avalia Léo Moraes (Podemos-RO).
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A tragédia de Brumadinho não é culpa do novo governo, mas deve servir como lição a Bolsonaro. O presidente tem alegrado as mineradoras ao repetir que há uma “indústria da multa” e atacar os órgãos de fiscalização ambiental. Este discurso vale como incentivo a quem já lucra com a exploração predatória da natureza.
O Globo