Está na hora da clareza sobre a reforma da Previdência e nesta primeira semana de governo ela ficou mais obscura. O ministro Paulo Guedes, na posse, deu a entender que há uma alternativa à reforma, e todos sabem, inclusive ele, que não existe. O presidente Jair Bolsonaro na entrevista ao SBT criou mais dúvida quando falou de uma idade mínima menor do que a que está na reforma do ex-presidente Temer. O ministro Onyx Lorenzoni disse que era para ser mais suave, mas, na verdade, ela pode até ser mais dura dependendo do que se entender do que o presidente disse.
Não há mais tempo para o improviso e as falas conflitantes. O próprio presidente disse que a questão é urgente:
— Mais dois, três anos, vamos entrar em colapso. Nós não queremos que o Brasil chegue na situação da Grécia e todos vão contribuir um pouco para que ela seja aprovada.
Se o risco é de “colapso”, o governo precisa saber o que fazer. O que Bolsonaro disse é que a idade mínima será de 57 anos e 62 anos para a entrada em vigor em 2022. Bom, se for isso, é mais dura do que a de Temer, que previa 62 e 65 anos apenas em 2038. Na proposta que está no Congresso, a idade mínima de 62 anos, para homem no INSS, só seria atingida em 2032. Se na de Bolsonaro vai ser em 2022, então é dez anos antes. Agora, se ele está dizendo que essa será a idade mínima ao fim do processo, então está enfraquecendo a reforma.
Esses improvisos de Bolsonaro em assunto que ele não domina criaram ontem uma crise com a área econômica. Ele anunciou de manhã aumento de IOF e mudanças no Imposto de Renda e foi desmentido pelo secretário da Receita, Marcos Cintra. O ministro Paulo Guedes ficou em silêncio apesar de a confusão ter estourado em sua área.
Está aí um assunto que não precisava de dúvidas. Houve muita bateção de cabeça na época da transição. Bolsonaro indicou que vai aproveitar a reforma que já está na Câmara, mas com mudanças:
— Pretendemos, ao colocar num plano a reforma da Previdência, é nós passarmos um corte até o final de 2022. Isso seria aumentar para 62 os homens, 57 as mulheres, um ano a partir da promulgação e outro ano em 2022, e o futuro presidente reavaliaria esta situação para passar para 63 ou 64.
Quando ele fala “aumentar”, parece estar se referindo ao servidor público porque o Regime Geral não tem idade mínima. O funcionalismo tem idade mínima de 55 e 60 anos. E em 2022 seria 57 e 62. Quando Bolsonaro diz que o próximo presidente “reavaliaria”, levanta outra questão. Todos sabem que uma reforma da Previdência não pode estar contida dentro do curto tempo de um mandato. Precisa haver regras válidas para décadas.
Bolsonaro não é o único a gerar dúvidas sobre o tema de crucial importância para a solidez da economia. O próprio ministro Paulo Guedes no seu discurso levantou uma grande interrogação quando disse que se a reforma não fosse aprovada haveria outra PEC a ser enviada desvinculando as receitas. Admitiu haver alternativa para a reforma, o que é um erro, e além disso acenou com um projeto ainda mais difícil de aprovar.
O Brasil está diante do seguinte fato. A primeira vez que o governo propôs a idade mínima foi na reforma do então presidente Fernando Henrique, há 23 anos. Não foi aprovada e desde então estamos rodando em círculos nesse assunto. O déficit cresce de forma vertiginosa. Em 2019, a projeção é de R$ 218 bilhões no INSS, de R$ 44 bi nos servidores civis federais e de R$ 43 bilhões nas Forças Armadas. Soma-se tudo, chega a R$ 305 bilhões, sem contar os estados. E crescerá ainda mais nos próximos anos. A reforma não é panaceia. Ao contrário do que disse Paulo Guedes, ela, sozinha, não é a garantia de que o país cresça durante 10 anos. Uma agenda de reformas, com esta e outras mudanças, pode sim dar um impulso novo à economia brasileira. Nessa agenda, a reforma da Previdência é indispensável. Sem ela não dá para começar o trabalho de elevar a confiança.
Em fevereiro assume o novo Congresso e até lá o governo terá que se organizar para falar de forma única sobre esse assunto. A Previdência, além de ter um rombo insustentável, é, como disse Guedes, uma fábrica de desigualdades. Cristalizou-se a ideia de que reformá-la prejudica os pobres, quando é exatamente o oposto. Quanto mais o governo se contradiz e bate cabeça, mais fica difícil convencer o país.