No país da anarquia jurídica. Por Bernardo Mello Franco – Heron Cid
Bastidores

No país da anarquia jurídica. Por Bernardo Mello Franco

20 de dezembro de 2018 às 09h40 Por Heron Cid

Marco Aurélio Mello editou seu próprio indulto de Natal. No último dia de trabalho do ano, o ministro mandou soltar todos os presos com condenação em segunda instância. Alegou que não poderia esperar o Supremo voltar de férias.

O ministro estava contrariado. Há oito meses, ele pede que a Corte volte a discutir se a Constituição autoriza essas prisões. A ministra Cármen Lúcia se recusou a pautar o tema. Seu sucessor na presidência, Dias Toffoli, empurrou o assunto para abril de 2019.

Sentindo-se atropelado, Marco Aurélio resolveu atropelar. Citou a superlotação dos presídios e sustentou que precisava decidir com urgência. Depois disse estar pronto para submeter a liminar aos colegas, mas só no ano que vem.

A liminar provocou alvoroço, mas durou pouco. No início da noite, Toffoli deu uma contraordem e cassou seus efeitos. Entre uma canetada e outra, o tribunal lançou o país em mais um dia de incerteza. Tem sido rotina. De tempos para cá, as vontades individuais dos 11 juízes passaram a valer mais do que decisões colegiadas.

O clima de anarquia jurídica não se limitou ao Supremo. Em Curitiba, investigadores da Lava-Jato ensaiaram um motim contra a liminar de Marco Aurélio. O procurador Deltan Dallagnol, que andava sumido, acusou o ministro de “contrariar o sentimento da sociedade”.

Pode ser, mas não cabe a procuradores de primeira instância comentar decisões do Supremo ou interpretar os humores da opinião pública.

A discussão teórica serviu de biombo para uma disputa muito prática. Estava em jogo a liberdade do ex-presidente Lula, preso desde abril. Os petistas chegaram a festejar sua soltura, e os antipetistas aproveitaram para sair da defensiva.

O deputado Eduardo Bolsonaro, que já ameaçou enviar “um cabo e um soldado” para fechar o Supremo, voltou a incitar a turba contra o tribunal. Mais tarde, o presidente eleito celebrou a decisão de Toffoli. Ficou devendo um agradecimento a Marco Aurélio. Graças a ele, ninguém deu bola para o motorista que não apareceu para depor.

O Globo

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