Marco Aurélio Mello editou seu próprio indulto de Natal. No último dia de trabalho do ano, o ministro mandou soltar todos os presos com condenação em segunda instância. Alegou que não poderia esperar o Supremo voltar de férias.
O ministro estava contrariado. Há oito meses, ele pede que a Corte volte a discutir se a Constituição autoriza essas prisões. A ministra Cármen Lúcia se recusou a pautar o tema. Seu sucessor na presidência, Dias Toffoli, empurrou o assunto para abril de 2019.
Sentindo-se atropelado, Marco Aurélio resolveu atropelar. Citou a superlotação dos presídios e sustentou que precisava decidir com urgência. Depois disse estar pronto para submeter a liminar aos colegas, mas só no ano que vem.
A liminar provocou alvoroço, mas durou pouco. No início da noite, Toffoli deu uma contraordem e cassou seus efeitos. Entre uma canetada e outra, o tribunal lançou o país em mais um dia de incerteza. Tem sido rotina. De tempos para cá, as vontades individuais dos 11 juízes passaram a valer mais do que decisões colegiadas.
O clima de anarquia jurídica não se limitou ao Supremo. Em Curitiba, investigadores da Lava-Jato ensaiaram um motim contra a liminar de Marco Aurélio. O procurador Deltan Dallagnol, que andava sumido, acusou o ministro de “contrariar o sentimento da sociedade”.
Pode ser, mas não cabe a procuradores de primeira instância comentar decisões do Supremo ou interpretar os humores da opinião pública.
A discussão teórica serviu de biombo para uma disputa muito prática. Estava em jogo a liberdade do ex-presidente Lula, preso desde abril. Os petistas chegaram a festejar sua soltura, e os antipetistas aproveitaram para sair da defensiva.
O deputado Eduardo Bolsonaro, que já ameaçou enviar “um cabo e um soldado” para fechar o Supremo, voltou a incitar a turba contra o tribunal. Mais tarde, o presidente eleito celebrou a decisão de Toffoli. Ficou devendo um agradecimento a Marco Aurélio. Graças a ele, ninguém deu bola para o motorista que não apareceu para depor.
O Globo