Mas será que homens não podem nem ter opinião a respeito, resguardado o protagonismo feminino? Aparentemente, não.
“Não existem homens feministas” (você já deve ter ouvido isso em algum lugar). O homem é o agente opressor, detentor dos privilégios que o feminismo combate. Não se pode servir a dois senhores (ou a um senhor e a uma senhora).
Sem a pretensão de defender o fim das limitações impostas aos homens neste quesito — ou de paternalizar uma luta que é justamente contra o paternalismo — permito-me divergir das eminentes relatoras.
Gosto de pensar que a humanidade inteira pode — e deve — ser feminista. Que esse adjetivo cai particularmente bem a muitas das mulheres que não o adotam, que não queimaram sutiãs, não levantaram bandeiras — não nasceram feministas, mas tornaram-se feministas em pelejas anônimas, longe das teorias, sem ter lido Judith Butler, Betty Friedan ou Simone de Beauvoir.
Que há feminismo tanto na militante que protesta, de mamilos livres, contra a censura e a objetificação dos seios, quanto no pudor da Adriana Zadrozny, a professora curitibana que teve câncer, fez mastectomia, tatuou flores azuis na cicatriz e escreveu — para homens e mulheres — um livro (“Sobreviver”) sobre viver. Para ambas, seu corpo, suas regras.
Feministas são as garotas que lutam como garotas, as juízas que interrogam como juízas.
O feminismo está em Leila Diniz (cuja fotografia num cartaz para o Dia das Mães, de biquíni e barrigão, quase me valeu uma suspensão na escola, nos anos 70) e em Nair de Teffé — a primeira-dama bela, nem tão recatada, tampouco do lar — que no início do século XX exercia a improvável profissão de caricaturista — e, peitando o marido marechal, levou a música popular para os salões do Palácio do Catete.
Em Laurita Mourão, que escandalizou o país (na década de 80!) com seu feminismo sem misandria. Empoderada antes que se inventasse o verboempoderar , Laurita escreveu sem meias palavras sobre sexo (“o motor da vida”) e sem culpa sobre adultério. E o fez não como ficção ou sob pseudônimo, mas numa atrevida autobiografia. Entre o papel de mãe (dos 11 filhos e sobrinhos que criou) e o de amante (com um número bastante razoável de conquistas), ficou com os dois. Foi (e ainda é) sujeito, não objeto.
Também feminista era minha tia-avó Iracema Rosa de Jesus, pioneira da família ao se formar, em 1925, e fundadora da primeira escola de Pedra do Anta, então um vilarejo no interior de Minas. E minha avó Clotilde Viana Leal, que se recusou a adotar o sobrenome do marido e se separou num tempo em que só a morte separava. Perdeu nove dos 16 filhos, interrompeu sabe-se lá quantas gravidezes e foi insubmissa até o fim.
Parafraseando Manuel Bandeira, é por mulheres assim que não quero saber de feminismo que não seja libertação — como esse que flerta com o vitimismo, esse de sororidade seletiva. Por que não pensar num que inclua a mulher que investe no sucesso profissional e a que decide se dedicar integralmente à família? As liberadas e as conservadoras? Afinal, o que importa não é o direito de fazer as próprias escolhas?
Rita Lee e Laurita; Pagu e Gabriela Leite (a prostituta que fundou a Daspu e uma ONG para as “da vida”); Marielles e filhas de Maria; Zilda Arns e Anitta: todas as mulheres do mundo, de A a Z, cada uma na sua medida, são militantes da causa feminina.
Talvez os homens, com esses impulsos de mansplaining (mania de explicar), manterrupting (mania de interromper) e manspreading(mania de sentar de perna aberta) pudessem até se abster de tratar do assunto. Mas é difícil não pensar que o mundo seria mais machista e menos justo não fosse a coragem de TODAS as mulheres, feministas assumidas ou não. Incluídas aí as avós de todos nós.
O Globo