Em menos de uma semana o governo eleito deu seguidos sinais de que a reforma da Previdência terá que esperar. Ontem, Bolsonaro disse que ela deve ser fatiada. Isso seria um erro. Segundo o futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni: “temos quatro anos para fazer a reforma, porque não dá para chegar aterrorizando.” No último dia 30, Bolsonaro falou que a proposta não poderia ser dura porque não se pode “querer salvar o Brasil matando idoso”. E por fim o deputado Eduardo Bolsonaro disse a investidores que talvez ela não seja aprovada.
O Ministério da Fazenda divulga hoje um relatório de tudo o que fez e falta fazer para o equilíbrio fiscal. Um gráfico do documento salta aos olhos. Ele divide a população por faixas de renda e mostra que 41% dos benefícios previdenciários vão para os 20% mais ricos, e apenas 3% vão para os 20% mais pobres.
A reforma não matará idoso, ao contrário do que disse o presidente eleito. Se for bem feita, ela combaterá privilégio de pessoas mais ricas que se aposentam antes de se tornarem idosas. Qualquer análise, mesmo apressada, dos dados, mostra que os que se aposentam por idade são os mais pobres e o fazem com 65 anos. Os que passam a receber do INSS por tempo de contribuição são os que sempre tiveram carteira assinada e se aposentam com idade média de 54 anos.
Mesmo para estes há as regras de transição. Pela proposta da reforma da Previdência feita pelo governo Temer, que o presidente eleito tem definido como “muito dura e salgada”, a idade mínima começaria com 53 e 55 anos e só em 2038 chegaria a 62 e 65 anos. O que se quer é amaciar ainda mais essas regras de transição?
A ideia que circulou agora de que os funcionários que ingressaram no setor público antes de 2003 só tenham a paridade e a integralidade quando atingirem 65 anosestava prevista na reforma do presidente Temer, foi retirada e reintroduzida no relatório do deputado Arthur Maia. Fatiar o projeto, como sugeriu ontem Bolsonaro, é o caminho para não fazer reforma alguma porque a tramitação seria lenta demais. O país precisa de uma reforma ampla .
Todos esses sinais de ambiguidade do futuro governo estão sendo somados pelos analistas e podem, em determinado momento, virar pessimismo em relação ao Brasil. É no início, quando tem força parlamentar, que uma administração deve fazer suas propostas mais difíceis, porque depois os obstáculos serão maiores.
A convicção no mercado financeiro, aqui e no exterior, de que o governo Bolsonaro buscará o reequilíbrio das contas — tarefa na qual a reforma é indispensável — vem apenas da reputação do economista Paulo Guedes. E essa confiança pode desmoronar caso se confirme a falta de pressa, empenho ou até entendimento do que é necessário numa reforma.
Quem precisa falar do conteúdo da proposta e do tempo que se pode esperar pelos seus efeitos é o futuro ministro da Economia. Ele ficará encarregado da dura tarefa de reduzir o enorme rombo fiscal que permanece no país há seis anos, elevando a dívida pública. O ministro Onyx Lorenzoni, que votou ao lado do PT contra a reforma da Previdência na Comissão Especial, não tem demonstrado entender a urgência do problema. Segundo ele, nada se pode fazer “de afogadilho”. O país está discutindo esse assunto há mais de duas décadas, sempre postergando porque os governos se deixam vencer pelos grupos de interesse. Mesmo se for feito no início do mandato, já não será mais “de afogadilho”. Ela chegará atrasada.
O problema é que o próprio presidente eleito não demonstra interesse no tema nem compreensão da gravidade da questão. O governo Temer melhorou as contas públicas que recebeu, e o déficit deste ano será muito menor do que o projetado. Mesmo assim, para restaurar a confiança na economia será preciso ter senso de urgência nesta questão.
Se achar que o país tem “quatro anos para fazer a reforma”, como disse o futuro ministro da Casa Civil, o governo certamente enfrentará uma disparada do dólar e o aumento da desconfiança dos investidores. O mercado é apenas o termômetro. Empresários da economia real só investem quando há um clima de confiança.
Todos os sinais dados pelo governo até agora são muito ruins. E são emitidos em bases diárias. A reforma é incontornável para o equilíbrio fiscal, mas é importante também para reduzir as desigualdades no país. Contudo, se o interesse for mesmo beneficiar os que ganham mais, o governo deve sim deixar tudo como está e continuar repetindo que tem quatro anos para fazer a reforma.
O Globo