O agronegócio não é uma 'bancada do boi'. Por Elio Gaspari – Heron Cid
Bastidores

O agronegócio não é uma ‘bancada do boi’. Por Elio Gaspari

3 de dezembro de 2018 às 14h30 Por Heron Cid
O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), veste boné escrito "Agro a força que move o Brasil" na feira Agrishow, em Ribeirão Preto, em abril - Joel Silva - 30.abr.18/Folhapress

Contaminado por um setor paleolítico, o agronegócio brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é. Prova disso é que a defesa dos seus interesses é atribuída ao que denomina “bancada do boi”. Nessa bancada há trogloditas que querem queimar matas, calotear dívidas e invadir terras alheias. Defendendo-os, Jair Bolsonaro chega mesmo a acreditar que os quilombolas são um problema nacional.

Dois renomados historiadores —Herbert Klein, de Columbia e Stanford, e Francisco Vidal Luna, da USP— entregaram à editora da Universidade de Cambridge o texto de “Feeding the World” (“Alimentando o Mundo”), em que contam a história da revolução ocorrida na agricultura brasileira nos últimos 50 anos, acelerada neste século. O livro sairá em dezembro e a tradução, no ano que vem.

O que houve foi uma revolução de verdade. De país atrasado, o Brasil tornou-se o maior exportador de soja, carnes processadas, laranjas e açúcar. É o quinto maior produtor de cereais. Enquanto a indústria nacional patinou depois da abertura da economia, o agronegócio adaptou-se, expandiu-se e adquiriu competitividade internacional.

Entre a década de 1980 e os últimos oito anos, a produtividade das áreas plantadas cresceu 150%. Essa revolução juntou empreendedores e uma elite técnica formada com vigor chinês. Em 1999 o Brasil tinha 6.000 estudantes de agronomia. Em 2007 eram 48 mil (40 mil dos quais em instituições públicas). Entre 1998 e 2017 foram produzidas 8.000 teses de mestrado e 3.000 dissertações de doutorado. No pico desse êxito está a Embrapa, que se tornou um dos melhores centros de pesquisas agrícolas do mundo. Hoje o Brasil tem a terceira maior indústria de sementes.

Klein e Luna não deixam assunto sem análise, inclusive os problemas de pobreza e atraso, mas expõem uma revolução que está acontecendo. Ela é descrita em São Paulo, no Sul, e surpreende no Centro-Oeste. Uma migração espontânea, selvagem no início, transformou Mato Grosso num celeiro. Em 1970 lá existiam 600 tratores; 15 anos depois eram 20 mil. Em 1980, quando chegou a soja, cultivaram 7.000 hectares. Em apenas nove anos, chegaram a 1,7 milhão de hectares. As taxas de fertilidade e mortalidade infantil caíram, enquanto a expectativa de vida subiu cerca de 20 anos desde 1960. Hoje Mato Grosso tem um dos mais altos índices de terras tituladas (77%).

O agronegócio carrega entre 20% e 25% da economia nacional porque é moderno. A contaminação paleolítica obriga-o a ser ouvido como um Yo-Yo Ma tocando num violoncelo rachado. Carne? Joesley Batista. Meio ambiente? Jair Bolsonaro e seus conselheiros do agronegócio durante a campanha eleitoral.

Folha

Comentários