Tenho, como escritora, deficiências, mas talvez a pior delas seja a ideia fixa em certas questões — portanto, peço desculpas. Mas, gente, o que é que está acontecendo?
Brasileiro agora deu para ter ódio de artistas. Viramos todos uns “esquerdistas” que comem caviar, mamando em alguma teta. E “essa mamata vai acabar”.
É uma implicância específica com quem faz arte — os famosos por qualquer outro motivo, tudo bem. E famoso por qualquer outro motivo é o que não falta.
Nada contra os milhões de celebridades que surgem diariamente; aliás, confesso que quase nunca sei quem são. Mas ser artista é outra coisa. Ninguém decide: “Opa, acho que vou ser artista”. É algo do qual não se pode escapar. Que dói. Porque criar é doloroso.
Um ofício geralmente inglório, a arte nos convoca e nos rejeita com a mesma intensidade. Poucos são os que têm aquilo que é necessário — a chamada “alma de artista”. Pois trabalhamos com um instinto que está, primeiramente, a serviço de nossa própria salvação.
Enquanto os artistas tentam sobreviver ao afogamento metafórico, salvando o máximo de pessoas com eles, o culto das celebridades se abastece da profunda mediocridade. Um mundo que gira em torno de abdômens tanquinho, maquiagens argamassa e papos furados.
Quando Tom Jobim disse que, no Brasil, sucesso é uma ofensa pessoal, mal sabia ele que, um dia, nem precisaria tanto. Ofensivo agora não é mais fazer sucesso, e sim fazer cultura. Insistir em montar uma peça de teatro, lutar para realizar um longa que não seja mais uma bobagem, compor músicas com mais de três acordes: ofensas graves. Leis de incentivo cultural: um abuso à população. Ocupar espaços com instalações artísticas: um desacato à autoridade. Montar um balé: uma falta de consideração. Escrever um livro, fazer poesia, pintar: nada mais detestável.
Um artista não é mais importante que qualquer pessoa —“somos todos iguais, braços dados ou não”. Mas é bom esclarecer que não há um tiquinho de facilidade naquilo que fazemos. Nunca houve e nunca haverá. Por sorte, ninguém faz arte porque é fácil.
O Globo