Pessoas que acompanham de perto os militares e suas relações com a política ainda tentam entender o significado de um tuíte publicado pelo general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército. Lá se lê:
“Determinei ao @exercitooficial que rememorem a Intentona Comunista ocorrida há 83 anos (27 Nov 1935). Antecedentes, fatos e consequências serão apreciados para que não tenhamos nunca mais, irmãos contra irmãos vertendo sangue verde e amarelo em nome de uma ideologia diversionista”
Como fato histórico, a dita “intentona” pode ser apreciada a qualquer tempo. Nas escolas de formação das Forças Armadas, pode e deve ser estudada. E certamente a ninguém ocorrerá que se peça, nesses ambientes, uma abordagem “sem partido”.
Por que, agora, a ênfase numa tentativa de levante comunista?
Vamos pensar um pouco.
Alguém anda a ver por aí algum comportamento exacerbado da esquerda?
Não.
Existem esquerdistas questionando a legitimidade do pleito que elegeu Bolsonaro?
Não.
A tal “ideologia diversionista” anda a assombrar o Brasil?
Não — a não ser na mente de alguns paranoicos, e não é o caso de Villas Boas.
Volto-me ao texto. O general pede que se rememorem antecedentes, fatos e consequências.
Antecedentes: um golpe “modernizador” (1930), a resistência em admitir um regime constitucional e maquinações que buscavam um novo golpe, que acabou sendo desferido em 1937. E, como sabe Villas Boas, correu sangue de todas as correntes ideológicas — e o de todos era, digamos, vermelho. Sem metáfora.
Com efeito, não é bom esse negócio de haver “irmãos contra irmãos”, brasileiros contra brasileiros, em luta armada ou guerra civil.
Que se saiba, as forças comunistas que tentaram tomar o poder pelas armas em 1935 não conseguiriam hoje tomar um fusca velho.
À esteira da dita “intentona”, veio a farsa do “Plano Cohen” (1937), que, suponho, por determinação de Villas Boas, deve também ser estudando no capítulo das “Consequências”. Tratou-se de uma armação vigarista, de autoria, tudo indica, do então capitão Olímpio Mourão Filho — mais tarde, protagonista do golpe militar de 1964, já então general —, anunciado na rádio pelo general Góes Monteiro.
O falso plano — com um nome judeu para fazer as honras do antissemitismo da então extrema-direita brasileira — revelaria uma suposta trama comunista para tomar o poder e serviu de pretexto para deflagrar o Estado Novo. A ditadura liderada por Getúlio Vargas perdurou até 1945. Foi muito mais violenta e repressiva que a de 1964.
Vai ver Villas Boas está mandando um recado para os futuros ocupantes do poder. Nesse caso, estaria querendo dizer: cuidado com os antecedentes porque, como diria o Conselheiro Acácio, reinterpretado por Marco Maciel, “as consequências vêm sempre depois”.
Considerando que o general certamente não está disposto a rever as anistias de 1945, é a única coisa que justificaria recomendação tão enfática.
E também acho que devemos tomar cuidado com ideologias diversionistas.
Chamo de “diversionista” tudo aquilo que se afasta dos valores consagrados pelo Artigo 5º da Constituição de 1988.
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