Escolher o Brasil como destino. Por Míriam Leitão – Heron Cid
Bastidores

Escolher o Brasil como destino. Por Míriam Leitão

22 de novembro de 2018 às 11h30 Por Heron Cid

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, acha que o Brasil é um país sem fronteiras e quer uma política mais rígida contra imigrantes. “Não podemos admitir a entrada indiscriminada de quem quer que seja, simplesmente porque querem vir para cá”. Vittorio Bolzonaro — assim mesmo com “z” — tinha 10 anos, em 1888, quando seus pais embarcaram com ele e seus irmãos em Gênova e, semanas depois, desembarcaram em Santos. Eles simplesmente quiseram vir pra cá. Vittorio vem a ser bisavô do presidente.

A vinda dos imigrantes italianos, alemães, japoneses, sírio-libaneses, judeus, poloneses, portugueses, turcos, tantos outros, faz de nós o que somos. É impossível imaginar o Brasil sem as ondas migratórias que o formaram. “Se essa lei continuar em vigor, qualquer um pode entrar aqui. E chega aqui com mais direitos que nós”, diz o presidente, não deixando pista do que ele tentava dizer com essa ideia de que quem vem de outro país tem vantagens sobre os brasileiros natos. Nunca será fácil migrar. O belo livro de Eva Blay “O Brasil como destino” relata as dores e as esperanças dos judeus que escolheram São Paulo para reconstruir suas vidas.

Em dezembro, em Marrakesh, será assinado o Pacto Internacional sobre Migração, e o Brasil terá que escolher seu lado. Durante o ano que vem, uma resolução sobre o tema será negociada. Se quiser fechar fronteiras e aumentar as barreiras contra imigrantes, pode afetar mais os brasileiros lá fora dos que os candidatos a entrar no Brasil. Existem 1,2 milhão de migrantes no Brasil e 2,5 milhões de brasileiros no exterior. Estados Unidos, Hungria, Áustria e República Checa, todos com governos de ultra-direita, estão ameaçando deixar o acordo alegando que ele força os países a aceitar os imigrantes. Mas é o contrário, segundo os negociadores, o objetivo seria o de facilitar a volta do refugiado ao seu país de origem.

Na conversa que o presidente eleito Jair Bolsonaro teve na segunda-feira, ele parecia ter escolhido um lado. Conversou com o primeiro-ministro ultranacionalista húngaro, Viktor Orbán. Depois, informou aos repórteres que Orbán está feliz com a eleição no Brasil. O parlamento europeu aprovou uma moção contra Orbán por violar o Estado de Direito, a liberdade de imprensa, a independência da Justiça, o funcionamento das organizações não governamentais e os direitos de migrantes e refugiados. Em suma, não é boa companhia. A menos que se queira o isolamento. Ele pode perder o direito de votar no Parlamento Europeu.

Na mesma entrevista da segunda-feira, o presidente eleito disse que o “brasileiro não sabe o que é ditadura, o que é sofrer nas mãos dessas pessoas”. Repetia aquela sua estranha ideia de que o Brasil não teve ditadura e que o regime de 1964 não foi o que ele de fato foi. Mas fez a afirmação porque acabara de falar com o premier húngaro e se referia à ditadura comunista que houve lá. O problema é que Orbán está sendo acusado de restringir as liberdades no mesmo país que sofreu com o comunismo, mas agora por outras ideias políticas.

O Brasil não está sendo ameaçado por ondas de migrantes. Tem um problema para resolver na fronteira com a Venezuela. É uma crise humanitária, de refugiados, mais do que de migrantes, causada por um governo que restringiu as liberdades e perseguiu a imprensa, até deixar de ser uma democracia. Sem o contraditório, sem a alternância do poder, sem oposição, sem os pesos e contrapesos de um regime aberto, a Venezuela foi aprofundando a crise econômica e social que hoje faz com que seus cidadãos corram para outros países. O atual governo errou pela demora em admitir que aquele era um problema federal. O futuro governo vai errar se achar que basta fechar as fronteiras e construir muros.

O mais preocupante nessas e em outras declarações do presidente Bolsonaro é o risco do isolamento internacional. Quando o governo Donald Trump erra, ele corre o risco de perder parte da liderança dos Estados Unidos. Mas outra administração pode corrigir isso a tempo. Para o Brasil, o isolamento é muito mais indesejável e pode trazer vários prejuízos políticos e econômicos. É natural ter leis com controles da entrada de estrangeiros no país. O que não faz parte da nossa natureza é a xenofobia, a reação contra pessoas que venham de outros países, e que escolham o Brasil como destino. Como um dia fez a família italiana Bolzonaro.

O Globo

Comentários