O “presidencialismo de coerção”, como está sendo chamada em Brasília a suposta maneira Bolsonaro de governar, pressupõe uma ação deliberada do governo de pressão sobre os diversos grupos políticos e sociais que se colocarem em oposição às propostas que pretenda aprovar no Congresso.
Tem a ver com frases polêmicas do supermisnistro da Economia, Paulo Guedes, que pretendia “dar uma prensa”, no Congresso, e o deputado-filho do presidente eleito, que disse que a oposição seria “tratorada”.
A questão é se o e-gov (governo eletrônico) que se está preparando, como anunciou ontem o futuro ministro do Gabinete Civil Onix Lorenzonni, vai ter também a função de estimular militantes a pressionar os “ativistas” (que Bolsonaro já disse que quer inviabilizar), ou os Congressistas.
Além de baratear custos e desburocratizar, o governo eletrônico tem o objetivo de aproximar governantes e governados através dos novos meios de comunicação. Se essa aproximação, porém, servir para mobilizar a opinião pública de maneira direta contra políticos, ativistas e jornalistas, como estamos vendo acontecer nos Estados Unidos de Trump, podemos ter problemas institucionais graves.
O General Hamilton Mourão, futuro Vice-Presidente, revelou a estratégia em entrevista, falando genericamente sobre as vantagens das novas mídias: “Aquele processo antigo de comunicação, via filmetes, propagandas tradicionais, será abandonado. (…)A mídia digital é o método fundamental para conseguirmos nos comunicar, muito mais do que essas outras propagandas que gastam rios de dinheiro.”
Deu certo na campanha presidencial, por que não dará no dia a dia do governo? Carlos, filho vereador de Bolsonaro, chamado de 02, é o cérebro por trás da estratégia digital do pai, e deve coordenar os instrumentos do “presidencialismo de coerção”, se for colocado realmente em prática.
Mas esse esquema pode se voltar contra o próprio governo. Atribuída a Tancredo Neves, a frase “não nomeie quem não pode demitir” tem sido muito falada em Brasília nesses dias em que dois superministros estão sendo apresentados ao grande público, um, Paulo Guedes, já em plena atividade. Outro, Sérgio Moro, às voltas com questões legais, afastou-se dos processos de Curitiba e saiu de férias para poder trabalhar sem ferir a legislação.
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, não parece preocupado com a impressão de que não pode demitir um dos dois quando considerar necessário, e vai dando carta branca para o economista Paulo Guedes nomear seus auxiliares.
Na segunda-feira foi anunciado para presidir o BNDES o ex-ministro da Fazenda de Dilma Joaquim Levy, que superou intrigas de bastidores que queriam barrá-lo justamente por ter trabalhado com o PT e com o ex-governador do Rio, hoje preso, Sérgio Cabral.
O presidente eleito entendeu que ele saiu dos dois governos justamente por não poder fazer seu trabalho direito. Bolsonaro sabe que quem delega é quem tem o poder de retirar a delegação, e a prova concreta disso é o ex-presidente Lula, que perdeu dois dos seus principais auxiliares, o ex-ministro do Gabinete Civil José Dirceu, e Antonio Palloci, da Fazenda, e seguiu em frente. Mas é inegável que perder os sustentáculos de um governo é tarefa complicada de lidar.
Especialmente se um é a garantia da política liberal que está animando os mercados e os investidores, e o outro é a garantia da seriedade do compromisso presidencial no combate à corrupção. A demissão de qualquer um terá uma repercussão negativa para o governo, a não ser que aconteça alguma coisa fora do normal – como no caso dos dois superministros de Lula – que a justifique perante a opinião pública.
A pressão da opinião pública através das redes sociais, que pode favorecer o governo em algumas ocasiões, pode também se virar contra ele no caso de uma demissão injustificada, ou que signifique uma mudança de rumo nas políticas anunciadas.
O Globo