Ministro Moro é um exemplo assombroso de Judiciário com partido. Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

Ministro Moro é um exemplo assombroso de Judiciário com partido. Por Reinaldo Azevedo

2 de novembro de 2018 às 10h46 Por Heron Cid
Sergio Moro,ministro da Justiça

“Consummatum est”! Sergio Moro fulminou a classe política e sai como um dos dois grandes beneficiários da razia que promoveu. Já é o primeiro na fila de sucessão —quando Jair Bolsonaro quiser, bem entendido.

Não é “fake news”. O futuro superministro da Justiça e agora ex-juiz encontrou-se com Paulo Guedes durante a campanha e recebeu o convite para chefiar um troço que faz o antigo SNI, mesmo em seus dias de esplendor, parecer brincadeira de criança. A conversa desta quinta com o presidente eleito foi uma formalidade. Alguém poderia objetar: “Não compare ditadura com democracia”. Claro que não! Se, no entanto, num regime democrático, as leis são submetidas por togados a uma leitura de exceção, depois referendada por colegiados, cumpre que se questione qual é a diferença entre uma ditadura genuína e uma democracia degradada. Certamente as há. Mas nem um regime nem outro conduzem os países a um bom lugar.

Leitores desta coluna e do meu blog e os que me acompanham no rádio e na TV sabem que não tardou para que eu percebesse e apontasse que a Lava Jato era muito pouco reverente à Constituição e ao Código de Processo Penal. E isso para começo de conversa. Liberal, alinhado com o que entendo ser a direita democrática —ainda que seja esta, hoje, uma das vastas solidões do Brasil—, crítico severo das esquerdas e particularmente do petismo, passei a sofrer primeiro as restrições e depois o assédio moral daqueles que me viam como uma peça de propaganda de seus delírios autoritários.

Fazer o quê? Minhas convicções liberais me impõem o necessário formalismo no trato das questões de direito. Nego-me a transferir para demiurgos ou entes a arbitragem sobre a minha liberdade e a de meus adversários intelectuais. Meu herói nada secreto é o intelectual francês Raymond Aron. Submeteu o marxismo universitário a uma das mais impiedosas desconstruções de que se tem notícia e foi um duro oponente das esquerdas. Mesmo no tempo das ilusões armadas, Aron debatia com livros, retórica esclarecida e fatos. Não com pistolas, algemas e correntes.

Ocorre que o combate à corrupção —quem há de ser contra, exceção feita a seus beneficiários?— logo degenerou em ataque aos próprios fundamentos do estado de direito. Infelizmente, o enredo macabro se desenvolveu sob a vigilância rebaixada da imprensa. Passou a vigorar um certo “Padrão Witzel” de combate a criminosos do colarinho branco, reais ou supostos. Se é para pegar bandidos, procuradores e juízes podem atuar como “snipers”, recebendo, por princípio, o que Bolsonaro chama “excludente de ilicitude”.  E os que se atreviam a apontar as ilegalidades eram logo tachados de lenientes com a corrupção. E a destruição se deu. Hoje, como resta evidente, a própria liberdade de imprensa virou matéria barata. A tentação da guilhotina sempre supõe que só a cabeça dos maus está em perigo. Errado. Desrespeitar a ordem legal para pegar criminosos é, desde sempre, uma advertência aos não criminosos.

O “Moro político”, que falou com Guedes antes da eleição sobre a possibilidade de integrar o governo, também é o “Moro juiz”, que resolveu liberar trechos da delação de Antonio Palocci. E o fez uma semana antes do primeiro turno. Atribuir a isso a vitória de Bolsonaro é bobagem —esta se deve a muitos outros fatores, incluindo as escolhas do PT, mas não cuido disso agora. O fato é um emblema do que não pode fazer um juiz. O que sempre me pareceu claro, embora fosse constatação quase solitária, revela-se agora de maneira escancarada: protagonistas da Lava Jato estavam e estão empenhados também em um projeto político. Sim, a maquinaria toda tem de funcionar, e as dificuldades são muitas. De toda sorte, o representante máximo do Partido da Polícia, já candidato à sucessão de Bolsonaro, terá nas mãos a ficha dos Três Poderes da República. E ele sabe como exercer o direito criativo.

Não há debates nos cemitérios. Mas os há nas universidades e escolas. Um lugar é, literalmente, a terra dos mortos. O outro é a vereda em que transitam os vivos. O Supremo deu uma resposta maiúscula àqueles que pretenderam usar a Lei Eleitoral, a 9.504, para rasgar os artigos 5º e 220 da Constituição, que garantem a liberdade de expressão, e o 207, que assegura a autonomia universitária. Ainda há juízes em Brasília. Tomara que resistam ao assédio daqueles que nos prometem um pouco mais de eficiência em troca de um pouco menos de liberdade.

Por uma Justiça Sem Partido!

Folha

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