Ciro Gomes (PDT) não vai facilitar a vida do PT como líder natural da oposição a Jair Bolsonaro. E está, entendo eu, percebendo que um terreno fértil, porém bastante maltratado, está sendo, vamos dizer, desocupado pelos antigos proprietários: o da social-democracia ou, se quiserem, da esquerda light, não-lulista. O que quero dizer?
O PSDB, na sua antiga configuração, acabou. O chamado “centro político” foi varrido do mapa. A ideia de uma força afinada com a justiça social, mas sem viés socialista ou caudilhismo de esquerda; que conversa muito bem com as forças do capital, mas é inclusiva nos costumes e tolerante com as diferenças, bem, isso tudo foi para o vinagre.
Os tucanos, não vai demorar, estarão em breve sob a gerência de João Doria. Durante algum tempo, será linha auxiliar do Jair Bolsonaro, queira Doria ou não. Ciro saiu das urnas como uma espécie de terceira via. Não estou entre aqueles que o colocam entre os perdedores da eleição de 2018. Sim, ele está entre os derrotados. Mas conseguiu granjear simpatias de antigos eleitores do petismo e do PSDB. E entendo que vai procurar ocupar o território que não interessa aos novos tucanos. Por que afirmo isso?
Ciro, como já disse na rádio mais de uma vez, não vai, obviamente, desistir da política como chegou a anunciar durante a disputa presidencial caso fosse, como foi, derrotado.
Ele concede uma entrevista à Folha em que é de uma dureza inédita com o PT. Com efeito, Lula se movimentou para lhe retirar o apoio do PSB, o que lhe criou dificuldades adicionais depois que não conseguiu atrair os partidos do centrão, o que lhe teria dado tempo de televisão e mais visibilidade. Ao contrário da aposta feita pelos petistas, sua candidatura não se desidratou.
Pesquisas realizadas até a véspera do primeiro turno indicavam que ele poderia vencer Jair Bolsonaro numa disputa final, que não aconteceu. Ele justifica assim a sua permanência na vida pública:
“Eu disse isso comovidamente porque um país que elege o Bolsonaro eu não compreendo tanto mais, o que me recomenda não querer ser seu intérprete. Entretanto, do exato momento que disse isso até hoje, ouvi um milhão de apelos de gente muito querida. E, depois de tudo o que acabou acontecendo, a minha responsabilidade é muito grande. Não sei se serei mais candidato, mas não posso me afastar agora da luta. O país ficou órfão.”
A pecha de traidor que lhe pespegam alguns petistas o exacerba especialmente. O pedetista foi alvo de muitas críticas por ter decidido sair do país logo depois do primeiro turno. Também não respondeu a apelos para gravar um vídeo defendendo o voto em Fernando Haddad. E ele dispara a sua metralhadora, afirmando, por exemplo, que Lula sabia do que chama “roubalheira na Petrobras”. Diz:
“Eles podem inventar o que quiserem. Pega um bosta como esse Leonardo Boff [que criticou Ciro por não declarar voto a Haddad]. Estou com texto dele aqui. Aí porque não atendo ao apelo dele, vai pelo lado inverso. Qual a opinião do Boff sobre o mensalão e petrolão? Ou ele achava que o Lula também não sabia da roubalheira da Petrobras? O Lula sabia porque eu disse a ele que, na Transpetro, Sérgio Machado estava roubando para Renan Calheiros. O Lula se corrompeu por isso, porque hoje está cercado de bajulador, com todo tipo de condescendências. (…) Gleisi Hoffmann, Leonardo Boff, Frei Betto. Só a turma dele. Cadê os críticos? Quem disse a ele que não pode fazer o que ele fez? Que não pode fraudar a opinião pública do país, mentindo que era candidato?”
Indagado por que não aceitou ser candidato a vice de Lula, Ciro responde:
“Porque isso é uma fraude. Para essa fraude, fui convidado a praticá-la. Esses fanáticos do PT não sabem, mas o Lula, em momento de vacilação, me chamou para cumprir esse papelão que o Haddad cumpriu. E não aceitei. Me considerei insultado.”
A reportagem da Folha pergunta se ele próprio e os pedetistas cometeram erros. Responde:
“Devemos ter cometido algum erro e merecemos a crítica. Mas, nesse contexto, simplesmente multiplicamos por um milhão as energias que nos restaram para trabalhar. Fomos miseravelmente traídos. Aí, é traição, traição mesmo. Palavra dada e não cumprida, clandestinidade, acertos espúrios, grana. Pelo ex-presidente Lula e seus asseclas. Você imagina conseguir do PSB neutralidade trocando o governo de Pernambuco e de Minas? Em nome de que foi feito isso? De qual espírito público, razão nacional, interesse popular? Projeto de poder miúdo. De poder e de ladroeira. O PT elegeu Bolsonaro.”
E, se alguém tem alguma dúvida de que Ciro está de olho num território que ora está desocupado deve atentar para este trecho:
“Não quero participar dessa aglutinação de esquerda. Isso sempre foi sinônimo oportunista de hegemonia petista. Quero fundar um novo campo, onde para ser de esquerda não tem de tapar o nariz com ladroeira, corrupção, falta de escrúpulo, oportunismo. Isso não é esquerda. É o velho caudilhismo populista sul-americano.”
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