Quando se verifica a situação das contas estaduais, é o caso de perguntar: por que tantos políticos disputam o cargo de governador com tanto empenho? O diagnóstico é simples: há pelo menos cinco anos, a despesa com pessoal (ativos e inativos) cresce acima das receitas; há mais tempo ainda, os governos estaduais foram irresponsavelmente estimulados pelo governo federal a tomar empréstimos para tocar obras caras e que não dão retorno, como os estádios da Copa; vários estados estão simplesmente dando o cano nos clientes e nos seus credores. A coisa chega ao ridículo: o governo de Minas foi processado para devolver à Toyota uns 500 carros que havia comprado e não pagou. Quer dizer, estava na pior e ainda saiu comprando carros novos.
A situação é mais dramática em Minas, Rio e Rio Grande do Sul, mas nada menos que 16 estados estão gastando com a folha um valor acima dos limites de prudência definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Numa situação assim — despesas crescendo acima das receitas, com endividamento já elevado — não tem outra saída: aumentar impostos, cortar gastos e renegociar dívidas.
E o cara quer se eleger para isso? — pergunta o leitor de bom senso.
Mas bom senso não é exatamente a coisa mais bem distribuída entre políticos. No caso, os pretendentes a governador acham que não vão pagar as contas. Acham que vão empurrar tudo para os credores, em especial o governo federal.
Considerem o caso do Rio de Janeiro. É o único estado que está em processo de recuperação fiscal. Com isso, o governo fica dispensado de pagar o serviço da dívida por três anos, enquanto coloca em prática um programa de ajuste que inclui corte de gastos, controle geral de despesas e privatizações para fazer caixa e abater dívidas. Inclui também a proibição de reajustes salariais enquanto durar o programa — o que é uma medida óbvia.
É para esse programa que devem caminhar outros estados, se o governo federal, patrocinador dos acordos e principal credor, quiser mesmo fazer o ajuste fiscal.
Nenhum candidato a governador se comprometeu com isso, nem os mais atrapalhados. Ao contrário, no Rio, o candidato Witzel acha que o pagamento da dívida deve ser estendido pelo prazo de… 100 anos. Eduardo Paes não gostou da privatização da Cedae, condição necessária para o prosseguimento do programa de recuperação.
Em Minas, que necessita urgentemente do programa e tem boas estatais para vender, os dois candidatos colocaram restrições à privatização.
Em resumo, o presidente eleito tem um problema próprio: a reforma da Previdência, de longe a maior despesa, e crescente, da União. Só com os aposentados do INSS, o governo federal compromete quase 50% do gasto total. Com pessoal, mais uns 25%. E o Congresso eleito, pelas primeiras análises, não é propriamente reformista.
Em compensação, o Congresso é sempre amplamente favorável a medidas que facilitem a vida financeira dos estados, onde se encontra a clientela de deputados e senadores. O Judiciário também tem uma tendência a espetar contas no Orçamento federal, incluindo as suas próprias demandas.
Assim, os governadores aliados do presidente eleito vão tentar negociar na base da conversa, da troca de apoio, aquelas coisas. E os de oposição podem escolher a via do Judiciário. A demanda básica será a mesma: empurrar dívidas para Brasília e arrumar uns trocados a mais. Isso para um governo federal cuja dívida bruta caminha na direção dos 100% do PIB.
Assim, a nova equipe econômica terá que fazer dois ajustes fiscais: o seu, da União, e aqueles dos outros, dos estados.
E para quem a União pode mandar a conta?
Adivinhou: o contribuinte, que pagará na forma de impostos e cortes na prestação de serviços públicos.
Claro, a alternativa responsável está posta: para o governo federal, reforma da Previdência, contenção dos gastos com pessoal e muitas, muitas concessões e privatizações para recuperar o investimento. Na relação com os estados, o governo federal não tem como evitar uma renegociação de dívidas, mas deve exigir contrapartidas efetivas dos governadores.
A ver. Mas os sinais não são bons.
O Globo