Ao que tudo indica, Jair Bolsonaro (PSL) é a ideia cujo tempo chegou. Se uma disputa presidencial deve espelhar as aspirações de um país, a julgar pelas pesquisas feitas até agora, foi pelo reflexo do capitão reformado e sua retórica bélica que a maioria do eleitorado brasileiro se apaixonou.
O candidato tem méritos. Político com mandato há décadas, vendeu-se e foi comprado como o novo. Mais do que isso, como o antissistema, mesmo tendo nascido, crescido e dado frutos —fez três filhos e ex-mulheres brotarem no meio ambiente do qual diz não fazer parte.
Bolsonaro conseguiu capturar e catalisar sentimentos diversos. Tornou-se o “Messias” de uma nova era. Tendo pronunciado repetidas vezes o Apocalipse para alguns setores, foi aceito. É como se o eleitor dissesse: se tenho que tacar fogo em todo o terreno para ter terra nova para plantar, deixe queimar.
O problema é que o cenário já é de pós-guerra, fruto das escolhas feitas em 2014, quando Dilma Rousseff levou a melhor mesmo diante de todos os sinais de que seu modo de pensar e de fazer política poderiam atirar o Brasil no cadafalso.
A eleição baseada na retórica do medo deveria ter rendido uma lição definitiva: políticos vão, mas o país, ou o que resta dele, fica.
Por isso, a provável vitória de Bolsonaro colocará sobre os ombros de seu eleitor responsabilidade inédita desde a redemocratização. Fernando Collor não se elegeu em 1989 pregando o confisco da poupança. Fernando Henrique Cardoso não foi eleito em 1994 dizendo que aprovaria a reeleição e, depois, que levaria uma política equivocada de câmbio ao limite. Lula não subiu a rampa do Planalto em 2003 avisando que, anos depois, o país conheceria o mensalão —e que isso seria apenas o começo.
Dilma ascendeu como mãe do PAC e dos pobres. Derrotou rivais alardeando o terror de cortes de benefícios e direitos. Saiu do governo pela porta dos fundos deixando 14 milhões de desempregados e Michel Temer (MDB) como seus maiores legados.
Em todos esses casos, porém, o eleitor não pode ser apontado como cúmplice de seus escolhidos. Pode, sim, dizer que foi enganado. Mas a partir de 2019, haja o que houver, os que depositarem seus votos em Bolsonaro jamais poderão dizer que foram pegos de surpresa.
Empresários que colocaram suas grifes na vitrine da política em engajamento inédito para os padrões dos últimos anos, líderes religiosos, economistas, o chamado mercado, emissoras de TV, jornais. Todos esses serão corresponsáveis conscientes por eventuais sucessos ou fracassos do novo governo e do que ele deixará para a história.
Se houver uma caçada à imprensa, supressão de ONGs, retrocessos para os índios, fim de pactos ambientais; se o aparato estatal for usado para identificar e punir opositores, se os gays voltarem para o armário, se o fosso salarial entre mulheres e homens se aprofundar, se o ministro e guru da economia ficar de saco cheio e pedir para sair, se for possível gravar uma cena de faroeste por dia no trânsito… Se isso ocorrer, ninguém poderá dizer que não sabe de onde veio o tiro na democracia. Foi o eleitor quem puxou o gatilho.
Que as boas promessas, de fim da corrupção, de lei e ordem, e principalmente de respeito à Constituição e alavancagem econômica se cumpram. Que o Brasil que votou contra os saqueadores conhecidos há décadas não tenha alçado ao poder mais do que ladrões de dinheiro público, mas de voz e de liberdade.
Que o primeiro presidente que nasce após a peste dissecada pela Lava Jato venha para provar que o poço tem, sim, um fundo, e que nele há molas. Porque se o país se deparar com um caos maior do que o já instalado, não haverá paixão cega capaz de ocultar o que virá. Boa eleição a todos.
Folha